CF 2018: A ternura se fez carne e veio morar no meio de nós
O tema é extremamente atual e atinge toda a sociedade, pois todos, direta ou indiretamente, fazemos quotidianamente a experiência da violência, ora como vítimas ora como agressores.
Este ano o tema da Campanha da Fraternidade é: “Fraternidade e superação da violência“ e o lema: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8).
O tema é extremamente atual e atinge toda a sociedade, pois todos, direta ou indiretamente, fazemos quotidianamente a experiência da violência, ora como vítimas ora como agressores. Penso que, no lugar de usar o assunto para limitar-se às lamúrias e a apontar o dedo contra os outros, a CF 2018 seja uma oportunidade de conversão pessoal e comunitária, que priorize o resgate do princípio da ternura como principal antídoto contra a violência.
O Decálogo, filme do polonês, Krzysztof Kieslowski, conta dez histórias ambientadas num condomínio de Varsóvia, capital da Polônia, inspiradas nos Dez Mandamentos.
Na primeira história, Amarás a Deus sobre todas as coisas, fala–se de Pavel, um menino de 11 anos que, órfão de mãe, convive com o pai e uma tia. O pai é professor universitário e se declara ateu. Ele acredita somente na razão e nas forças das leis da ciência. A tia, ao contrário, é muito religiosa. O garoto é criado sem nenhuma formação religiosa.
Um dia Pavel, enquanto joga no computador, se vira de repente para a tia e lhe pergunta:
– Tia, mas como é Deus?
A mulher permanece um instante em silêncio, depois o olha carinhosamente, o pega no colo e o abraça intensamente.
– Pavel, me conte, como você está se sentindo agora? – Pergunta a Tia. O menino, com os olhos fechados, responde:
– Bem! Sinto-me muito bem!
– Pronto! – diz a tia – Deus é assim! Deus é como um abraço!
Eis uma das definições mais bonitas de Deus. Não vem dos tratados teológicos nem da catequese. Nasce da experiência de quem conhece Deus como Pai que ama com coração de mãe, se abandona com confiança em seus braços amorosos e faz das relações fraternas a principal ferramenta para comunicar a alegria do Evangelho às pessoas que encontra em seu caminho.
A ternura do abraço se faz teologia. Torna–se o melhor sacramento do Absoluto. Deus está onde há relações humanas permeadas de amorosidade. Revela-se através da ternura. Faz–se presente onde há coração. É no abraço do/a amigo/a fraterno/a de todas as horas que Ele nos toca, seja quando estamos transbordando de alegria pelas nossas vitórias, seja quando estamos mergulhados no sofrimento e precisamos de alguém que nos ajude a enxugar nossas lágrimas. “Deus não está presente onde está ausente o coração do ser humano. Não está presente onde o coração é duro como uma pedra. A doença humana que mais O preocupa não é o pecado em si, mas a cardiosclerose, isto é, o endurecimento do coração, o congelamento das relações afetivas” (P. Ermes Ronchi).
Mas cuidado com o sentimentalismo. Tudo isso não tem nada a ver com pieguice. A ternura não é um sentimento melado, mas uma virtude forte, combativa, revolucionária, que não se intimida mas leva a lutar com garra contra os sistemas perversos que desumanizam o ser humano e destroem sua natural predisposição à comunhão fraterna. A ternura é uma força que impulsiona a construir pontes para aproximar as pessoas; a ser solidários com quem sofre; a vencer a indiferença e assumir o cuidado pelo outro; a escancarar as portas dos templos para ir rumo às periferias; a superar formas de consumismo religioso à medida do próprio individualismo doentio ou manifestações religiosas que têm como objetivo a busca do alívio imediato para os problemas pessoais em detrimento do compromisso com a transformação da sociedade; a escutar os clamores dos excluídos; a derrubar os preconceitos para acolher e integrar as diferenças; a criar círculos restaurativos para mediar os conflitos e pactuar formas de convivência saudável; a montar mesas ao redor das quais todos podem sentar para partilhar com equidade os bens da criação.
Tudo isso é consequência do discipulado de Jesus.
“A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura” (EG 88).
Pe. Saverio Paolillo (Pe. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral do Menor e Carcerária
Centro de DH dom Oscar Romero – CEDHOR/PB