18 Mortes em prisões de Porto Velho e Roraima: Entrevista
A situação deflagrada a meio do mês de outubro é somente a ponta visível de um imenso iceberg, constituído pela extrema gravidade das condições das prisões no Brasil. Entrevista com o Pe. Jorge Brites, comboniano.
O padre Jorge Brites, missionário comboniano, na comunidade de Porto Velho progressivamente se foi envolvendo na pastoral carcerária daquela cidade da Rondônia, na região amazônica. A situação deflagrada a meio do mês de outubro é somente a ponta visível de um imenso iceberg, constituído pela extrema gravidade das condições das prisões no Brasil.
Depois de três anos neste serviço, o padre Jorge vai direto à cratera do vulcão, em constante risco de iminente explosão, afirmando que o maior de todos os problemas é a superlotação, sem menosprezar as inexistentes condições de habitabilidade e tratamento desumano.
1. O que está acontecendo nas prisões de Porto Velho nesses dias?
Em Porto Velho na semana passada no presídio Ênio Pinheiro morreram 8 jovens carbonizados. Estas mortes, segundo as informações que nos repassaram lá, deveram-se a uma briga entre duas facções. Estava prevista num outro pavilhão mas devido a uma confusão acabaram atacando um pavilhão não previsto que era o pavilhão mais tranquilo, onde normalmente eu ia duas vezes ao mês para celebrar e escutar as necessidades de cada jovem, onde sempre nos pedem um monte de coisas, nomeadamente contatar as suas famílias, necessidades a nível de saúde, etc.
Dois dos jovens que morreram sempre participavam nas nossas celebrações. Eram da cela que eles chamam de ‘igreja’.
Este presídio Ênio Pinheiro é um dos presídios mais tranquilos de Porto Velho. O problema é a superlotação. Tem quase mil presos e deveria ter 400. Os pavilhões estão muito velhos, chove em quase todas as celas, os esgotos estão todos entupidos, o cheiro e horrível, os esgotos ficam a céu aberto…
Existe muita revolta da parte dos presos. Estão fazendo a mudança de alguns presos para um presídio novo. Essa mudança ajudou também nesta confusão. O novo presídio foi feito com celas sem tomadas e sem lâmpadas. Num calor insuportável que faz aqui, viver numa cela sem um ventilador é desumano. E não tendo tomadas não pode ter ventilador, televisão, etc… Tudo isso tem sido motivo de revolta. No Urso Branco também teve uma tentativa de rebelião na semana passada mas conseguiram evitar que acontecesse. Nós pastoral carcerária, não estamos pudendo entrar. Os policiais alegam insegurança e por isso não nos deixam entrar.
2. Que situações você está acompanhando?
O meu papel nos presídios de Porto Velho é fazer visitas regulares em mais ou menos 10 presídios. Vou 2 ou 3 vezes por semana. Ficamos dentro do presídio das 9 às 11 horas da manhã. Quase sempre temos dificuldades em entrar. Agora a justificação é que não tem efetivo suficiente para abrir o acesso aos presos e então ficamos limitados a uma visita cela por cela. E aí dificulta a possibilidade de rezar uma missa ou uma celebração da Palavra. Dedicamos muito tempo a escutar. Alguns jovens ja se confessaram comigo, mas poucos.
3. Qual o papel e o desafio da pastoral carcerária em Porto Velho hoje?
A pastoral carcerária em Porto Velho está fraca. Hoje, após dois anos de luta para relançá-la, conseguimos ter em cada presídio um tempo para visitar. Nalguns presídios, os maiores, como o urso branco e Ênio Pinheiro vamos duas vezes por mês. Em outros vamos apenas uma vez ao mês. Como não há pastoral do menor em Porto Velho, visitamos também 4 presidios de menores. Também existe a pastoral carcerária em nossa paróquia. Mas é importante e urgente envolver mais padres e mais leigos e leigas nessa importante missão.
4. O que pensas das situações nas cadeias do Brasil e quais os caminhos para solucioná-las?
Sobre as situações nas cadeias no Brasil eu penso que existe uma falta de humanidade. O preso é visto muitas vezes não como pessoa mas como lixo. Algo que revolta muito os presos é a super lotação. As pessoas detentas têm que se alternar para dormir, pois o espaço no chão não chega para que todos durmam ao mesmo tempo.
Precisa investir em mais projetos para os presos, como leitura de livros, cursos profissionais, universidade aberta nas prisões, fabricação de móveis, artesanato, etc… menos gente amontoada e mal tratada. Para que o preso saia da prisão melhor do que entrou, ou seja, com desejo no coração de fazer uma vida honesta, ele precisa de viver esse tempo na prisão com paz. Levar a Palavra de Deus, ajudá-los a ter uma consciência reta, ajudá-los a perceber e a sentir que Deus os ama e que quer dar-lhes uma nova oportunidade para serem felizes.
Eu trabalhei por 4 anos acompanhando detentos no Congo, em África. Lá tive uma experiência muito boa; conseguimos montar uma grande biblioteca. Todo preso tinha acesso à leitura. Na biblioteca tinha um espaço para ouvir os presos. Tinha muita facilidade para entrar nas celas. Aqui é muito mais difícil. Qualquer pequeno problema já é motivo para não nos deixarem entrar. Isso cansa e desanima os agentes de pastoral. Fazemos 20 km para chegar lá e depois… não podemos entrar. Alguns jovens que sairam da prisão passaram pela nossa paroquia. Sempre os convido a virem até à nossa igreja. No Congo fazíamos um trabalho bonito de acompanhamento de menores infratores quando saíam da prisão. Conseguíamos que iniciassem um comércio para poderem ter o seu ganha pão.
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Agradecemos ao padre Jorge por aceitar partilhar conosco a sua experiência e por continuar lutando por defender aqueles irmãos esquecidos, que não deixam de apelar à misericórdia de todas e todos nós.
O ano da misericórdia, que estamos prestes a terminar, não pode ser senão o ponto de partida para a igreja no Brasil, através da pastoral carcerária, continuar a colaborar na elaboração de um plano direcionado à raiz dos problemas, que a médio ou longo prazo possa solucionar o grave problema da extrema violência que se vem vivendo nas prisões.
Por fim, terminamos com um questionamento de fundo, que é mais geral e toca toda a sociedade brasileira; não teremos todas e todos que tomar consciência de que estamos vivendo em uma sociedade violenta? E ao tomarmos consciência deste fato, que rumo tomar a fim de pacificar nossas relações, famílias, bairros, municípios e cidades?
Um dos caminhos apontados pela pastoral carcerária da CNBB vai na direção de uma objetiva e real agenda de desencarceramento, associada à desmilitarização…
A equipe de comunicação dos Missionários Combonianos do Brasil