1964 – Onde Eu Estava?
Por Cecília Amim, ativista dos direitos humanos, membro da Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz de São Luís.
Eu era aluna do 3º científico do Colégio Santa Teresa, o que corresponde, hoje, ao 3º ano do ensino médio. No meu colégio, aprendi o valor dos grêmios estudantis para a formação política dos alunos, que nos proporcionavam sessões culturais com jovens estudantes de outras agremiações.
Como cresci numa família que falava sobre política rotineiramente, mesmo sendo menina, lembro-me, com clareza, do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Essas notícias eram veiculadas pelas rádios. Ainda não existia televisão. Sentar próximo do rádio era um fato muito comum, na hora do Repórter Esso e do “Direito de Nascer”, novela daquele tempo.
A renúncia de Jânio Quadros, prenúncio do Golpe de 1964, era o assunto da época. “Forças ocultas” o tinham forçado a renunciar à Presidência da República, como ele sempre procurava se justificar.
Depois, o sempre vivo medo do comunismo, que vai e vem para manipular a consciência de tanta gente, esteve presente na minha infância e adolescência… Mas, o dia 31 de março de 1964 foi abafado na minha mente. Busco e não me lembro, com precisão, como reagi a essa notícia. A mim, que sempre me relacionei com fatos políticos, parece-me estranho tudo isso.
No Colégio Santa Teresa, nossa mestra de classe, Madre Ferro Costa, era, visivelmente, contra o comunismo. Lembro-me de uma colega que a criticava por acusar seus familiares de comunistas, até o dia em que o deputado federal Clóvis Ferro Costa, seu irmão e homem progressista, teve o mandato cassado pelos militares.
Mas, ao concluir meus estudos, fiz minha primeira viagem para o Rio de Janeiro, com bastante preocupação com o momento político. Do Rio de Janeiro, fui a São Paulo, onde vivenciei, mais de perto, os fatos e acontecimentos relacionados com prisões, sequestros e bombas envolvendo “os terroristas”, palavra estampada, com letras garrafais, nas manchetes dos jornais.
Em 1966, ingressei na UFMA, no curso de Letras, quando tive a honra de ter, como professora, a médica Maria José Romão dos Santos, que, sutilmente, mexeu na minha consciência política. Universitária, fui tomando conhecimento das torturas, das prisões, dos atentados, dos sequestros e do enfrentamento da juventude vítima dos militares, durante a ditadura militar no Brasil, por vinte e um anos.
Na Faculdade de Administração, onde cursei Administração de Empresa, comentava-se sobre a presença de um colega infiltrado, o que era comum acontecer no tempo da ditadura civil e militar.
A par dessa trajetória, tive como pároco, na Igreja de São João Batista, o Padre Marcos Passerini, um missionário comboniano, que revolucionou a participação dos paroquianos, com um jeito novo de ser igreja.
Nessa caminhada, descobri, mais rápido, as injustiças sociais relacionadas à ocupação de sem-tetos, que fizeram nascer muitos bairros, em São Luís, e o surgimento da Escolinha São João Batista, onde tivemos a primeira experiência de convivência com meninos e meninas de rua. Ainda como fruto de sensibilização cristã e humana, as Campanhas da Fraternidade me levaram a questionar as injustiças sociais.
Daí para a militância política foi um passo, por onde descobri a porta para uma nova perspectiva de vida, no sonho de combater as injustiças que me inquietavam e o arbítrio cometido, até hoje, contra negros, mulheres, jovens e crianças.
Descobri que o PT tinha uma relação muito forte com a Doutrina Social da Igreja, decidindo por me filiar, em dezembro de 1989, ao Partido e, como Igreja, abraçar a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Luís.
As inquietações não pararam ainda porque os sonhos e a esperança estão muito vivos na busca permanente da paz.