
35 Anos-Martírio do P Ezequiel, com D Roque Paloschi
Padre Ezequiel Ramin é testemunho profético em defesa dos povos indígenas e famílias sem terra. O seu martírio é consequência de uma espiritualidade que encarna a fé no compromisso com a vida e amor às famílias pobres. Dom Roque fala também da atualidade desta figura no presente momento de quarentena e crise que atravessamos pela pandemia e agressões aos povos indígenas, à natureza e à amazonia.
1. Pe. Ezequiel Ramin chega ao Brasil
Padre Ezequiel assumiu, em sua vida missionária, que a fé é compromisso com os seus e com todos (as) a quem o Senhor o enviar, “em terras bem distantes…”. Chegou como missionário em Rondônia, Amazônia Brasileira na década de 80. O cenário encontrado era de extrema violência contra os povos indígenas e agricultores e famílias sem terra. Ele sensível aos gritos da realidade não fechou os olhos à dor desta gente. A sua vida e missão é fruto da interpelação feita desde o concílio Vaticano II e Puebla: “fazer opção pelos mais pobres, dentre os pobres”.
2. Estado da Rondônia nos anos 80
O estado de Rondônia era uma imensa fronteira em desenvolvimento acelerado, onde estavam em jogo grandes interesses econômicos (agricultura, gado, etc). A mentalidade era e continua sendo tornar esta região uma terra produtiva, “uma terra sem homens, para homens sem terra”. Na luta pela terra, grupos econômicos poderosos disputavam cada palmo de terra, com a costumeira conivência do Estado e de seus representantes. A especulação dos territórios indígenas provocava grandes genocídios e “limpeza de áreas”, dizimação de povos indígenas.
3. A realidade do povo
Os ‘colonos’/agricultores que chegavam em Rondônia, vinham com o ímpeto de vida nova, ter um pedaço de terra, para viver com sua família. Estes colonos/agricultores já haviam sido pressionados a entregar suas terras, aos grandes latifundiários na região sul, sudeste e centro oeste. Quando chegam a Rondônia, com a mentalidade de que índio não era gente, ocupavam as terras dadas pelo INCRA, sem saber da existência e dos direitos destes povos. Estamos falando de um contexto anterior à Constituição Federal, com governos militares, ditando os rumos da nação; parece que 35 anos depois, temos um cenário muito semelhante tanto na disputa de terra como na situação política.
Dom Roque no Congresso Missionário Nacional, Recife 2018
4. Missão e Compromisso assumidos
É neste cenário político e econômico, repleto de graves conflitos sociais que Ezequiel Ramin vive a missão de sacerdote, pastor e profeta, estando ao lado de quem mais estava excluído e sendo injustiçado. Em carta escrita à mão (consta nos arquivos do Cimi/RO), Pe. Ezequiel relata a situação de injustiça cometida contra os povos indígenas e agricultores e o conflito existente entre estes grupos, sendo fomentado por interesses de políticos e grandes grupos econômicos, que atuavam na região.
A sua consagração o leva a vivenciar uma vida cristã comprometida com a causa dos menos favorecidos e das minorias, que vivem as margens da sociedade. Sua morte é testemunho de alguém profundamente apaixonado pela causa do reino de Deus, presente no aqui e agora da história, como sinal escatológico do Reino de Deus. Ezequiel Ramin fez a sua opção em favor dos últimos e tornou visíveis aqueles (as) que são esquecidos e colocados à margem; visibilizou as grandes mazelas deste sistema político e econômico que temos e alertou sobre o modo como a terra vem sendo ferida.
5. Sem olhar para trás
Considerando a dor e o sofrimento dos indígenas, sem terra, agricultores e comunidades tradicionais, Pe. Ezequiel Ramin, não recuou, Pelo contrário, entregou tudo, incluindo a sua vida à causa do Reino. Quando em vida, se mostrou um homem destemido e que diante da cruz, não hesitou em trilhar aquele mesmo caminho de dor e de entrega máxima. Fez esta doação em solidariedade a tantos corpos de homens e mulheres mutilados e tombados nesta grande Amazônia, no Brasil e no mundo, que defendem a vida, mesmo que tal defesa seja feita ao preço da própria vida.
6. Pe. Ezequiel Ramin continua vivo!
O mártir Pe. Ezequiel Ramin traz a memória viva de tantos (as) povos indígenas, agricultores (as), e povos sem terra, que regaram com seu sangue a mãe terra: Mãe que diariamente é expropriada pela ambição do poder econômico, que tudo mercantiliza, tirando o valor sagrado deste dom de Deus, para o bem da humanidade.
Pe. Ezequiel vive na memória, no coração e na luta de todos os que trilham caminhos da justiça e paz, “bem aventurados, aqueles que promovem a paz… Defendendo a paz muitos já tombaram, sangue derramado fecundando o chão…”
Mesmo com o passar dos anos, o seu exemplo continua a dar frutos. Muitos homens e mulheres promovem a justiça e a solidariedade em todos os cantos do país e do mundo. Pe. Ezequiel Ramin nos sinaliza uma fé inquebrantável e uma espiritualidade, fundada no Deus que é vida, mesmo nas situações de conflito e nos deixa este legado “estou caminhando com uma fé que cria, como o Inverno cria a Primavera. Ao meu redor o povo morre, o latifúndio aumenta, os pobres são humilhados, a polícia mata, as reservas indígenas são todas invadidas… Como o Inverno, eu também sinto que estou gerando Primavera”. A vida e a morte de Pe. Ezequiel trazem a memória viva da causa do Mártir Jesus, pois assumiu o evangelho até às últimas consequências: “prova de amor maior não há, que doar a vida pelos irmãos e irmãs”. Ezequiel vive na memória, no coração e na luta do povo. Ezequiel presente!
Porto Velho, 23 de julho de 2020
Bispo da Igreja que está em Porto Velho – RO
NOTA: Dom Roque é também o presidente do Conselho Indigenista Missionário.
Fotos: Internet e arquivo comboniano