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70 Anos no Brasil, Pe. Franco Sirigatti: contestação e novidade
70 Anos: Pe Franco Sirigatti e sua nova visão
Um missionário comboniano que deixou marcas e um rasto importante de humanidade e missão. Sua busca constante de responder aos desafios que encontrava no Maranhão, fizeram dele um missionário comboniano pioneiro e inovador. Uma personalidade marcante dentro dos 70 Anos de presença dos Missionários Combonianos no Brasil.
![o cavalo era o transporte no interior do maranhão, nas visitas às comunidades distantes](https://combonianos.org.br/wp-content/uploads/2021/10/balsas-maranhao-Franco-Sirigatti-combonianos-70-anos-cavalo-1.jpg)
1. Origem e juventude do Pe. Franco
Há cem anos atrás, mais precisamente no dia quinze de outubro de mil e novecentos e vinte e um, nascia em Milão – Itália, Franco Sirigatti. Ali passou a infância e juventude, bem como frequentou a partir dos dezenove anos a Faculdade de Medicina. Tudo ocorria bem até que em 1940 fora chamado para a II Guerra Mundial, sendo designado a prestar serviços médicos no Hospital Militar de Florência. Ocorre que o desenrolar da guerra foi além do esperado e Franco teve que lutar. E sua luta durou até 1945, quando o conflito armado terminou.
Do final da guerra, até 1949 o jovem Franco tentou se reencontrar. Primeiro largou a medicina, buscando outros afazeres que também não se consumaram, assim como outros e outros, até que então, pediu trabalho em um seminário comboniano em Londres, onde descobriu sua grande vocação missionária, tornando-se postulante naquele mesmo ano, e padre em 1954.
2. A missão no sul do estado do Maranhão
Distante de Milão, em um outro país e continente, mais precisamente no meio-norte brasileiro, entre a Região Amazônica e o Nordeste, existe um estado chamado Maranhão, em cuja região Sul, mais precisamente na margem esquerda do Rio das Balsas está localizada a cidade do mesmo nome, “Balsas”. Aí mesmo, em 1952, ou seja, dois anos antes da ordenação de Franco Sirigatti, foram acolhidos festivamente os Missionários Combonianos vindos da Itália. Ao grupo inicial, se juntou o jovem recém ordenado Franco em 28 de Novembro de 1956.
A cidade Balsas, à época com seus 38 anos de emancipação política, era sem dúvidas uma cidade carente de tudo. Ou seja, era um local onde havia necessidades que iam muito além das funções religiosas. Assim, Franco, o homem da “cidade grande”, encontra um “sertão” desafiador, ou seja, a necessidade aqui passava pelo transporte, médicos, escolas, etc… sobretudo pelo fato de grande parcela da população estar espalhada na zona rural que abrangia um vasto território e que não possuía transporte, senão burros ou cavalos para alcançá-los.
3. Insatisfação e busca do novo de Deus
Além disso, os métodos pastorais da época ainda eram pré-conciliares o que dificultava ainda mais a prática de uma catequese libertadora, sobretudo pelo uso do latim pouco compreendido por todos. Nesse contexto, “[…] a tônica da atividade pastoral era a sacramentalização e a tônica da fé popular era o devocionismo”. (MILESI, 1983), Ou seja, o serviço do padre consistia na desobriga que era uma visita pastoral feita mais precisamente no período seco do ano, a cavalo, com longas distâncias diárias, o que tornava o trabalho bem exaustivo, permitindo apenas ao padre ouvir a confissão, celebrar a Eucaristia, casar e batizar.
Para se ter maior compreensão do ardor missionário vivido por Franco, e pelos demais missionários da época, na desobriga, o padre iniciava uma longa temporada já com os pontos de missas fixas. Chegava ao local, geralmente à tarde e iniciava a confissão. Depois, preparava os papéis de eventuais casamentos, e na manhã seguinte celebrava os mais diversos sacramentos até o meio dia, quando almoçava e seguia para um novo ponto. Essas viagens duravam geralmente cerca de 30 a 40 dias, sempre a pé ou em burro ou cavalos.
3.a. Desafios e fidelidade
Nesse contexto, vários eram os desafios sendo que dentre eles podemos destacar três:
“ I – A ausência de estradas que obrigava o missionário a seguir no lombo de um burro ou cavalo, na maioria das vezes em celas desconfortáveis forradas apenas com sacos;
II – O período seco, ou seja, de verão, que tem um sol escaldante e que trazia certo desconforto aos missionários, sobretudo pelas longas distâncias que eram cerca de 300 ou 400km a cada desobriga;
III – Os “pontos” de missa que embora oferecessem o melhor aos padres, nem sempre era uma comida ideal para quem andava tanto e além disso ainda tinha um certo ar de pactuação com poderosos ou fazendeiros que na maioria das vezes maltratava e oprimia o povo, tendo em vista que suas casas eram sempre os pontos de missa.” (MILESI, 1983).
Em seguida, o autor acrescenta que: “Estamos no sertão. Raramente a alimentação era adequada. Raramente o era o ‘ponto de dormida’. Quase nunca a água para beber. Absolutamente nunca a possibilidade de descanso.” (MILESI 1983, p.85).
4. Missão no Brasil e o apóstolo S. Paulo
As desobrigas foram o ponto forte de Franco no sertão. De tal forma que ele chegou à conclusão que o missionário que apenas “visita” o povo nos rincões não pode entender ao fundo as exigências do Evangelho para esse povo. Neste sentido, Vito Milesi, no livro já mencionado, nos lembra um trecho da segunda carta de Paulo aos Coríntios que diz:
“Apresento (…) as minhas fadigas e os duros trabalhos, numerosas vigílias, fome, sede, múltiplos jejuns e os rigores do clima. E isto sem contar o mais: a minha preocupação cotidiana, a solicitude que tenho por todas as Igrejas”.
Ou seja, para o autor, o “missionário do sertão maranhense sofria esta preocupação cotidiana e essa solicitude por que não conseguia atingir todo o povo nas suas viagens de desobriga”. E, paralelo a isso, além do aspeto religioso ainda tinha o problema das doenças, do analfabetismo, da falta de compreensão do latinorum do padre que fazia com que o povo agisse de forma tumultuada, se desconcentrando por qualquer motivo no momento dos sacramentos e acima de tudo a preocupação com os noivos que chegavam para o momento do casamento sem tempo de uma conversa mais séria.
4.a. Maranhão e Ásia menor
Ao refletirmos sobre tantos aspetos, lembramos que Franco, além de todo o trabalho religioso, ainda era cobrado por ser “médico”, ou seja, seus conhecimentos dos anos de medicina foram fundamentais no sertão e ajudaram a salvar muitas vidas.
Segundo Milesi, em cartas escritas a familiares na Itália, Franco escreve: “ […] a nossa casa mais do que nunca, será a sela do cavalo; a nossa única força será a fé. Não tenho outra coisa para começar esta obra e para sustentar a coragem que me vem do apelo insistente de tanto sofrimento que encontrei escondido no sertão.”
![Um homem de olhar sereno e profundo sempre sonhando a novidade](https://combonianos.org.br/wp-content/uploads/2021/10/balsas-maranhao-Franco-Sirigatti-combonianos-70-anos.jpg)
5. Entre contestação e sonho!
Mas Franco é contestação! Foi na juventude, foi na guerra, foi no seminário, e não será diferente como missionário.
E contestou. Contestou as missas feitas nas carreiras; os casamentos realizados sem tempo de uma conversa mais séria com os noivos, e acima de tudo o fato de a Eucaristia, que deveria ser o ponto de chegada de uma caminhada de fé e o ponto mais alto de uma celebração de cristãos se tornar algo celebrado de forma apressada e em extrema penúria com o padre na maioria das vezes cansado e até mesmo nervoso por uma noite mal dormida.
Mas ao missionário não chega apenas contestar. Ele deve também propor uma solução, por que foi ungido para edificar e plantar conforme Jeremias 1,10. Por isso, Franco, por exigência de sua vocação tinha sua mente voltada para a libertação integral da pessoa. Assim, concluiu que a missão da igreja era refazer a sociedade a partir das bases, ou seja, instruí-las para a participação. Mas como fazer isso?
Franco ousou e lançou a proposta do CAER – Centro de Assistência para e a Educação Rural, que consistia na identificação de rapazes e moças do interior, que tivessem o mínimo e instrução primária e a quem percebesse uma capacidade de liderança por menor que fosse. Estes seriam trazidos para Balsas onde passariam por um curso trienal que os habilitaria para as tarefas de alfabetizarem as crianças de suas comunidades, bem como as catequizassem para os sacramentos no seu próprio ambiente.
6. Uma igreja renovada que renova
Isso se deu nos anos 60 e a ideia foi aceita por dom Diogo Parodi, Bispo Prelado de Balsas na época e pelos demais missionários e foi um grande sucesso. Começava ali em Balsas o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base. O curso formou várias professoras e professores, bem como diversos catequistas que trabalharam nas suas comunidades de origem. E o trabalho deu frutos. Dez anos depois, percebeu-se que as desobrigas diminuíram e se tornaram bem mais fáceis do ponto de vista celebrativo, porque as pessoas se tornaram mais capazes de compreender através dos multiplicadores.
Foram centenas de escolas de alfabetização que se abriram no vasto interior da prelazia, escolas essas a princípio mantidas pelos Missionários, mas que com o tempo foram assumidas pelo estado, quando perceberam a importância das mesmas.
7. Padre Franco vê mais além…
E Franco foi além. Foi um visionário de coração imenso. Um exemplo claro de sua preocupação para com os mais pobres e sofridos, fica evidente quando ele percebendo a situação critica de crianças que precisavam atravessar o Rio Balsas de canoa para estudar do outro lado, e passando apertos nas correntezas do período chuvoso, pede auxilio a seu irmão, engenheiro e consegue o projeto de uma ponte pênsil sobre o Rio Balsas, ponte essa que ainda existe até hoje e que por muitos anos foi a única ligação segura entre o centro e o Bairro Tresidela na cidade Balsas – MA.
Em fim, Franco trabalhou incansavelmente por essa terra que chamou de sua. Alertado algumas vezes por seus superiores para voltar à Itália em busca de maiores recursos para sua saúde que dava sinais de debilitação, sempre optava por ficar um pouco mais. Amava esse povo e a ele queria dar o seu melhor até o fim.
E assim fez. Franco faleceu jovem. Aos quarenta e dois anos de idade, de um ataque fulminante do coração, na cidade de São Raimundo das Mangabeiras onde trabalhava.
![Sendo médico, o padre Franco ajudou a salvar muitas vidas no sertão](https://combonianos.org.br/wp-content/uploads/2021/10/balsas-maranhao-Franco-Sirigatti-medico-combonianos-70-anos-saude.jpg)
8. Legado e gratidão ao Pe. Franco Sirigatti
Em agradecimento por tudo o que fez por Balsas e pela região, a Câmara Municipal reunida, resolveu homenagear com seu nome a rua mais movimentada de Balsas, à época e até os dias atuais. E assim, ainda hoje permanece em Balsas a Rua Padre Franco no centro, bem como os seus restos mortais na capela mortuária dos missionários combonianos, onde descansa para a eternidade, nesta terra que escolheu como sua para ser lançado como semente.
Hoje, naquele que seria o seu centenário, nada mais justo que fazer essa pequena memória do seu grande trabalho na diocese de Balsas, para lembrar mais uma vez que a história da Igreja não reside apenas em suas catedrais, museus e monumentos, mas acima de tudo em suas figuras humanas históricas, que amam o Senhor mais que a si e não têm medo de dar suas vidas, para que todos conheçam a pessoa e projeto de Jesus Cristo. As ações de Franco Sirigatti, inspiradas nos ideais de Jesus Cristo e São Daniel Comboni, sem dúvida contribuíram muito para tudo o que temos hoje no que se refere à educação e saúde em Balsas.
E a missão??!! – A missão continua.
– Continua sim.
– Com os pés dos que partem; com os joelhos dos que oram e com as mãos dos que ajudam.
Kleiton Silva dos Santos, Balsas-MA
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Referencias:
MILESI, Vito. Da Cidade Grande ao Sertão. Sem Fronteiras, Taboão da Serra, 1983.