A armadura do cristão
Na carta aos Efésios o autor no proporciona um texto particularmente belo. Neste trecho do capítulo 6 vemos que quem escreve a carta se utiliza de objetos ligados a cultura local para exemplificar um tema essencial para a vida das pessoas que querem seguir a Cristo. Os elementos citados são: Cinturão, Couraça, Calçados, Escudo, Capacete e Espada. Estes são elementos presentes na armadura romana, vistos com frequência entre os judeus naquela época:
10Ademais, fortaleçam-se no Senhor e na força do seu poder. 11Vistam a armadura de Deus para poderem resistir às manobras do diabo. 12A nossa luta, de fato, não é contra homens de carne e osso, mas contra os principados e as autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos do mal, que habitam as regiões celestes.13Por isso, vistam a armadura de Deus para que, no dia mau, vocês possam resistir e permanecer firmes, superando todas as provas. 14Estejam, portanto, bem firmes: cingidos com o cinturão da verdade, vestidos com a couraça da justiça, 15os pés calçados com o zelo para propagar o evangelho da paz; 16tenham sempre na mão o escudo da fé, e assim poderão apagar as flechas inflamadas do Maligno. 17Coloquem o capacete da salvação e peguem a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus. (Ef 6,10-17)
Esses versículos podem ser divididos em duas partes: I. Ef 6,10-13: Descrição do que o cristão pode enfrentar e o anima a combater; II. Ef 6,14-17: Descrição propriamente dita da “armadura do cristão”.
Na primeira parte com o que descreve o autor pode-se notar que era uma pessoa que acreditava na existência e na atividade de um poder malvado personificado. Quer dizer que reconhece a presença do mal no meio dos cristãos. Porém reconhecer essa presença não autoriza o cristão a iniciar uma perseguição contra algumas pessoas que podem pensar contrariamente à maioria. Não dá o direito a ninguém de julgar e condenar outros cristãos por pensarem diferente. A referida luta deve ser travada contra o pecado e não contra o pecador. O campo de batalha então é o campo moral, quer dizer formar consciência capaz de compreender o mal que está próximo e refutá-lo.
A luta contra o mal não é somente contra o que está fora de mim, mas muitas vezes com aquilo que está dentro de mim. As minhas paixões que dominam o meu ser. Os momentos de ira descontrolada que me fazem agredir e ferir as pessoas que estão ao meu redor. As palavras más que saem da minha boca para menosprezar uma pessoa. A avareza que me impede de compartilhar o que recebo gratuitamente de Deus. A falta de tempo para dedicar a oração. A preguiça de ajudar gratuitamente em uma ação voluntária. Poderia citar outras centenas de situações, porém com essas podemos nos dar conta que a batalha contra mal é também dentro de nós mesmos. O importante é estar preparados para essas batalhas, para não sermos pegos de surpresa no “dia mal”, para se preparar para a luta, que é também diária, o autor nos indica a armadura que devemos vestir.
Cinturão da verdade: a vida do cristão deve ser pautada na verdade, pois seguimos Àquele que se reconhece como “caminho, verdade e vida”. O cinturão vai posto em torno da cintura para dar ao soldado mais agilidade, para poder apender as armas e ter a mãos livres, quer dizer um elemento essencial para a caminhada. Isso quer dizer que a verdade é essencial também na caminhada do Cristão.
Couraça da justiça: essa parte da armadura é aquela que protege o tórax do soldado, ou seja, as partes vitais de um ser humano. Podemos compreender a justiça no pensamento paulino, pessoas justificadas, quer dizer perdoadas dos seus pecados. E por serem perdoadas são capazes de viver a misericórdia com o outro. Então vestir a couraça da justiça nos diz que devemos ser justos nas nossas vidas como o Senhor é justo conosco.
Calçados com o zelo: o calçado nos ajuda a caminhar, pois se temos bons calçados a caminhada será mais tranquila. Aqui se fala de estar dispostos a anunciar a Palavra de paz, quer dizer, a paz que Cristo instaurou com a sua doação na cruz. Estar prontos para sermos missionários que anunciam o amor de Cristo. Porque, como nos diz o profeta Isaias: “como são belos os pés que anunciam a paz”.
Escudo da fé: o escudo é um equipamento que serve para a proteção individual e por isso é carregado sempre nas mãos do soldado. A fé é o que nos ajuda a caminhar firmes no seguimento a Cristo. Resistindo a todas as dificuldades que se podem apresentar ao longo do caminho.
Capacete da salvação: o capacete é uma proteção essencial para a cabeça do soldado. Vestir esse item sobre uma das partes mais importantes do corpo humano é muito significativo. Podemos compreender como um convite a ter pensamentos de salvação, a guiar os nossos passos para esse fim. Conscientes que a salvação nos foi oferecida gratuitamente por Jesus quando se entregou na cruz.
Espada do Espirito: que é a Palavra de Deus. Esta é vista como uma espada de dois gumes, que pode atingir quem escuta e também que anuncia. O cristão deve ter sempre consigo a presença da Palavra de Deus, pois é através dela que o Senhor nos indica o caminho a seguir. Escutar a Palavra de Deus é também fazer dessa Palavra ação. Palavra que entra pelos ouvidos, desce ao coração e se transforma em ação através das nossas mãos.
Ao analisar este trecho podemos notar a relação entre o primeiro anuncio (Kerigma) e a ação do cristão. Com isso vemos a realidade do já e não ainda, pois o anuncio do Reino de Deus pressupõe uma presença “já” e agora, enquanto a ação e seguimento perfeito do que nos é exortado como cristão ainda não somos capazes de realizar em sua totalidade e aqui temos o “não ainda”. Na vida diária do cristão estão presentes estas duas realidades, fé e ação, certeza e esperança. A tensão entre estes dois polos ajuda ao cristão a não se perder em um entusiasmo desencarnado, cheio de devoções rigorosas centradas no “eu” e a não se afundar em um ativismo paternalista desligado da espiritualidade. Como cristãos devemos ser conscientes que os dois polos, oração e ação, devem trabalhar juntos, balanceados em uma mesma proporção.
por Pe. Deivith Zanioli