A Casa de Deus precisa de uma Boa Faxina
Jesus chega a Jerusalém, entra no templo e protagoniza uma cena inusitada. Apronta um chicote e começa a derrubar as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas (Mc 11,11-26). O templo deveria ser a “casa de oração para todos os povos”, como Isaías prometera, mas tornara-se “um antro de ladrões”, como o profeta Jeremias já havia denunciado.
A cena está posta entre outras duas partes em que a protagonista é uma figueira, na primeira, cheia de folhas, mas sem frutos e depois seca até à raiz. À luz do que é descrito na cena central, fica claro que a figueira representa o templo e mais amplamente a religiosidade judaica que tem como ponto central o culto no santuário de Jerusalém. A fome de Jesus é símbolo do desejo de Deus de saborear os frutos da justiça operada pelas pessoas, mas, em vez disso, não encontra nada além de ostentação sem conteúdo, sermões sem coerência, ritos sem misericórdia e adoração sem fé. A maldição de Jesus não é uma condenação, mas é a revelação do que acontece quando não se amadurece na fé, cultiva-se a aparência e a exterioridade, sem cuidar de uma autêntica vida espiritual que não é íntimo recolhimento numa redoma de vidro ou fuga da realidade, mas é viver a vida conforme o Espírito Santo, fecunda de esperança, caridade, paz, justiça, misericórdia, alegria, benignidade, mansidão… São estes os frutos que comprovam a autenticidade da nossa fé. Como um corpo sem alma está morto e corrompido, assim também a fé sem o Espírito Santo que a vivifica e a torna fecunda está condenada à esterilidade e à extinção (pe. P. Giordano).
A casa de Deus não é uma feira. As igrejas não são um mercado nem a fé é um artifício para manipular as consciências, abusar das pessoas e ganhar dinheiro. Na relação com Deus não se aplicam as leis do comércio nem a mesquinha lógica da troca de favores. Deus não se deixa manipular ou comprar. Suas bênçãos não dependem da quantidade de dinheiro que lhe ofertamos. Seus benefícios não estão atrelados às promessas que lhe fazemos. Deus é Graça. Seu amor não está à venda. Está à disposição de todas e de todos gratuitamente. Se pensarmos de envolver a Deus em operações mercantilistas, deixamos de ser discípulos e nos tornamos clientes. As igrejas deixam de ser casas de oração e de encontro fraterno para virarem centros comerciais. As “boas obras” não são mais a maneira certa de vivenciar a fé, mas meros investimentos na “Bolsa de Valores Celestes” para garantir um pedaço de Céu. Se as igrejas caírem nessa tentação vai precisar criar um PROCON RELIGIOSO, um serviço de proteção ao consumidor de bens espirituais para apresentar reclamações contra Deus e seus ministros quando não ficarem satisfeitos com os serviços recebidos.
Reduzir a religião a uma operação comercial é um tiro no pé. Já pensou se Deus entrar nessa? Já imaginou se ele começasse a cobrar os royalties do ar que respiramos, da água que bebemos e da vida que recebemos? Estaríamos perdidos. Nós somos porque Deus nos chamou à vida. Temos por que recebemos. Amamos porque Ele nos amou por primeiro. Não dá para comprar aquilo que Deus nos doa de graça.
Os ministros de cultos que insistem obsessivamente no dinheiro e o apresentam como condição para receber a benção tornam-se exploradores, servem-se do nome de Deus para camuflar outros interesses e abusar da vulnerabilidade dos fiéis. O próprio dízimo não pode ser usado como moeda de troca. É um gesto gratuito de gratidão. Sua finalidade é muito concreta. Serve às igrejas para desenvolverem sua missão. Deve ser administrado com responsabilidade e transparência. Inclusive, não pode ser utilizado exclusivamente para a manutenção das igrejas, para melhorar suas estruturas e para operações de marketing proselitista, mas também para o exercício da caridade que não é opcional, mas uma dimensão essencial da vida cristã. De fato, o zelo de Jesus pela casa de Deus não se refere somente aos templos. Diz respeito, sobretudo à igreja viva que somos nós. O ser humano é a casa de Deus, é o templo do Espírito Santo. Portanto deve ser tratado com cuidado e respeito. Ao pegar o chicote e ao expulsar os vendilhões do templo Jesus quis chamar também a atenção contra o abuso religioso em defesa da dignidade humana. Quis dizer com toda a força que precisa ter respeito pelo ser humano. Não dá para manipular, comercializar, maltratar e vilipendiar a vida. Esta não pode ser submetida às leis da economia e condicionada a interesses perversos. Vender, comprar ou negar a dignidade e a liberdade em troca de promessas fajutas, bens materiais e “espirituais” e de prazeres volúveis é um pecado que provoca a indignação do próprio Deus. A existência humana não pode ser reduzida a uma questão de negócio. A sua dignidade é inegociável. Ela é sagrada. Bem-vindo o chicote de Jesus para acabar com tudo aquilo que ofende a dignidade das pessoas. Profanar o ser humano, sobretudo a vida dos pequenos, dos pobres e das crianças é o pior sacrilégio. Derrubar tudo aquilo que ameaça a sacralidade do ser humano devolvendo a cada pessoa a sua dignidade é o culto que mais agrada a Deus.
(Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)