A Cruz na vida de D. Comboni: como enfrentar a Dor Humana
“O caminho que Deus me traçou é a cruz. Mas se Cristo morreu na cruz pela injustiça humana e tinha a mente reta, é sinal de que a cruz é uma coisa boa e uma coisa justa. Carreguemos, pois, com ela e avante” (São D. Comboni, Escritos 6519).
Em meio a várias dificuldades e ao sofrimento, percebe-se…
1. Introdução
Em meio a várias dificuldades e ao sofrimento, percebe-se esta realidade como constituinte da vida e da história do ser humano. Vivemos num mundo marcado pela violência contra raça, gênero, status social, afiliação religiosa e política, classe social e assim por diante. Perante isto, a gente se pergunta: será esse o destino da vida? Será que a vida tem sentido? Qual é o valor da vida? Onde está Deus? Porque sofremos tanto quando tem como evitar o sofrimento? Essas e muitas outras perguntas podem ser levantadas de vários pontos de vista e experiências.
Comboni atua hoje na família comboniana
2. Fontes de energia e força
Há várias fontes de força e de inspiração para melhor compreender, prosseguir, processar e aceitar essa realidade dramática e dolorosa do ser humano. Uma delas é a experiência de fé e religiosa, onde o ser humano recorre ao poder superior de seu criador, na busca de resposta, inspiração e força. Para São Daniel Comboni, o sofrimento de qualquer forma tem a sua melhor compreensão a partir do sofrimento e dor de Jesus Cristo. Ele afirma que “quando teve a inspiração do plano em Roma, disse tê-la abraçado com todas as forças porque entendia que era algo que vinha do coração de trespassado de Cristo crucificado” (D. Comboni, Mil vidas para a missão, 2005).
A partir desta experiência de Comboni com Cristo, ele conseguiu demonstrar o seu amor e cuidado para os mais pobres e abandonados compadecendo-se deles. Por isso, ele salienta: Eu “amava a África porque amava a Cristo e sentia que Cristo tinha morrido também pelos africanos. Por isso gostava de contemplar o crucificado.” O seu amor pelo povo africano na sua época, hoje, pode ser substituído pelos povos de várias nações, raças, línguas e diversas afiliações religiosas, políticas e sociais, doentes, aflitos, descriminados, e ele continuou ainda dizendo que sentia “mais fortes as batidas de seu coração” para os que sofriam, angustiados e perdidos devido às imensas aflições.
No seu Plano, Comboni acreditou nos africanos
3. O Papel dos agentes de pastoral
Comboni em sua vida sempre encorajou e fortaleceu seus irmãos missionários, sobretudo, na importância da auto doação e entrega para salvar e defender a vida. Ele afirma que “O missionário deve estar disposto a tudo: à alegria e à tristeza, à vida e à morte, ao abraço e ao abandono «sinal de fé e doação a Deus por amor das almas mais abandonadas e pobres». Pois isso, ele rogava “ao divino Coração para que Deus lhe concedesse uma grande quantidade de cruzes e espinhos que mal o deixassem respirar, porque ele acreditava que sem cruzes não se implantam as obras de Deus. (Cf. Escritos, 2374). Segundo Comboni, as cruzes, ou seja, o sofrimento e a dor se tornam lugar da manifestação de Deus e do seu amor para o ser humano, quando destaca que as cruzes “são necessárias para implantar bem e tornar fecundas as obras de Deus” (Escritos, 2340).
4. A experiência da nossa pequenez a partir do sofrimento do outro
Comboni diz: «Sobre esta grande ideia se fixou o nosso pensamento e a regeneração da África com a África parece-nos ser o único programa que se deve seguir para realizar tão brilhante conquista. Por isso, em nossa pequenez, julgámos lícito sugerir humildemente um caminho que, ao segui-lo, permita alcançar com maior probabilidade a alta meta para a qual se orientam sempre todos os pensamentos da nossa vida e pela qual estaremos contentes de derramar o nosso sangue até à ultima gota» (Escritos, 2753). André Araújo afirma: “Na sua teologia da Cruz, que embora não tenha sido definida assim por Comboni, ela aparece para que se possa compreender a dimensão da Cruz na vida mística. No fundo, podemos dizer que na Cruz contempla-se o Cristo crucificado, porque é aí que se centra o amor de Deus pelos povos de África” (África, O amor espiritual de Daniel Comboni: tese de mestrado UCP).
5. Sofrer para salvar a vida
Em meio ao sofrimento e à dor, o ser humano é chamado, mais do que nunca, a abraçar a causa da vida, e estar disposto a lutar e sofrer por causa tão nobre. Comboni nos ajuda a compreender isso, quando conta algumas das dores e cruzes que afligiram o seu espírito, declarando-se sempre disposto a sofrer, com alegria, por Cristo e pela salvação das pessoas – as mais necessitadas e abandonadas do universo (cf. Escritos, 5367); hoje não são somente os africanos (pelos quais Comboni lutou e morreu), mas todos e todas que se encontram em necessidade. Do mesmo modo que a primeira comunidade cristã (Atos 2,42-47), nós hoje temos que viver juntos em oração e partilhar tudo o que somos e temos para que a ninguém falte o necessário para a vida. Assim, em nossa convivência de solidariedade e amor, cada uma e cada um se preocupa com o outro/a, vivendo em justiça e harmonia.
Foi assim que os primeiros cristãos deram testemunho do amor de Deus para todos. Ser cristão e ser humano exige ser radical no modelo de viver. Por isso, Comboni ainda salienta que “uma missão tão árdua e laboriosa como a nossa não pode viver da aparência, nem tolera sujeitos de pescoço torto, cheios de egoísmo e de si mesmos, que não cuidam como se deve da salvação e conversão das pessoas. Há que inflamar os seus membros de uma caridade que tenha a sua fonte em Deus e do amor a Cristo; e quando se ama de verdade a Cristo, então se tornam doces as privações, os sofrimentos e o martírio” (Escritos, 6656).
Comboni não desistiu nem frente à morte
6. Oração
Comboni acreditava que a oração era fonte de força nova para entender a vontade de Deus em todas as situações sobretudo nas dificuldades do trabalho missionário. Por isso, ele afirma que “estas orações devem ter por objetivo a conversão dos meus queridos infiéis e também a obtenção dos recursos necessários para todas as obras do Vicariato.” Ele insiste dizendo que as orações “não devem ter como finalidade o afastamento das cruzes, dos sofrimentos, das penas e das privações extraordinárias a que estamos submetidos nós e os nossos missionários, porque a cruz e as maiores tribulações são necessárias para a conversão, a estabilidade e o progresso das obras de Deus, que sempre devem nascer, crescer e prosperar ao pé do Calvário.”
7. Conforto na hora da cruz
São Daniel Comboni sublinhava que nos sofrimentos, há um inefável conforto ao pensar que ele, tal como os missionários, sofriam por Jesus Cristo e pelas almas, e que enorme sabedoria mostrou o divino Salvador criando e construindo a cruz! De fato, Comboni afirma: “A cruz é o conforto e o remédio mais poderoso para suavizar os males da vida” (Escritos, 4069). Além do mais, para Comboni, é no sofrimento que o ser humano faz a experiência profunda de se encontrar a si mesmo, humildemente em sua humanidade, numa real comunhão com o único Deus presente nas outras pessoas e em si mesmo: “… desde há algum tempo a cruz me é tão amiga e constantemente tão próxima que a escolhi por amadíssima esposa, até ao ponto de ter decidido viver sempre com ela até à morte e, se fosse possível, na eternidade.”
A cruz acaba sendo a esposa escolhida por Comboni
8. Esperança em meio ao Sofrimento
Comboni nos lembra que “a miséria humana esforça-se por nos tirar a paz do coração e a esperança de uma vida melhor; mas nós, ao lado de Jesus Cristo crucificado que padeceu por nós, exultamos no meio da má sorte, mantendo intacta essa paz preciosa que só ao pé da cruz e no pranto pode encontrar o verdadeiro servo de Deus.” E acrescenta: “estamos no campo de batalha, repito, e é preciso lutar como valentes. Os grandes prémios e triunfos não se alcançam senão por meio de grandes fadigas, pesar e sofrimentos” (Escritos, 424).
9. Conclusão
Que possamos reconhecer no sofrimento do irmão, o próprio filho de Deus sofredor, que diariamente se oferece como sacrifício, por toda a humanidade para que tenha vida e a tenha plenamente (Jo 10,10). Que nossa Senhora das dores, Maria, discípula fiel de seu filho Jesus, possa nos ajudar a compreender a vontade de Deus na dor e no sofrimento como ela sofreu aos pés da cruz vendo o seu filho morrendo.
Cosmas Musonda, comboniano em Porto Velho, RO