A EUCARISTIA É O CORAÇÃO DA MILITÂNCIA CRISTÃ
Temos dificuldade em falar da Eucaristia. E é melhor que seja assim. É um mistério muito grande e inefável. O próprio São Tomás de Aquino, depois de escrever a Suma Theologica, monumental tratado teológico onde tenta dizer algo sobre Deus, compõe um dos mais belos hinos eucarísticos: “Adoro te devote, latens Deitas”, “Te adoro, Ó divindade escondida”. A razão rende-se ao Mistério e a mente abandona-se à contemplação. A natureza humana não sabe o que dizer face a este Mistério. A Eucaristia é como o arbusto em chamas de Moisés (Ex 3). Queima, mas não se desgasta.
Na sua pequena manifestação, é muito grande. Diante dela só podemos agir como Moisés: tirar as sandálias numa atitude de confiante adoração. O padre Turoldo, teólogo, escritor e poeta italiano que morreu em 1992, assim dizia:
“Na Eucaristia está o coração da Igreja, o centro de gravidade do mundo e da história, a passagem para o eterno. E é só silêncio. É uma pequena hóstia que, aos olhos humanos desavisados, não diz nada, não sabe de nada. E, no entanto, é um ponto que, se estivesse num lugar da Terra, toda a terra, como diz a Imitação de Cristo, gravitaria à sua volta. E é o lugar mais silencioso do mundo. Perante este grande mistério de amor “totum deficit”, tudo naufraga. Toda palavra desmorona”.
E nós, pelo contrário, falamos e escrevemos demasiadamente sobre a Eucaristia. Fazemos muito barulho em torno deste admirável Sacramento. E Cristo, ao contrário, não diz nada. Somente age. Porque o amor verdadeiro não precisa de palavras para se expressar.
A seus discípulos não pede para falar da Eucaristia, mas de fazer Eucaristia em memória dele. A Eucaristia é um pedaço de pão partido e partilhado que não reage. Sangra assim como sangrou a Eucaristia de São Oscar Romero, o bispo de El Salvador, assassinado em 1980 enquanto celebrava a Santa Missa. Seu sangue misturou-se com o sangue de Cristo, assim como acontece com todas as pessoas que se gastam e desgastam por amor. Tornar-se Eucaristia é a única forma de falar dela e, nós, ao contrário, celebramos quase num estado de fuga das nossas responsabilidades existenciais. Comungamos simplesmente para cumprir um preceito.
Distinguimos entre eucaristias solenes e ordinários, Eucaristias de luxo e de segunda mão. Inventamos “Missas de cura e libertação” em busca de solução aos nossos problemas individuais em detrimento da conversão existencial, pessoal e social, a que ela nos desafia. Saímos das missas como se nada aconteceu, pois nossas celebrações nos deixam indiferentes ou, pior ainda, deixamos de celebrar.
Não nos deixamos contagiar pela experiência eucarística. E assim nada acontece. No entanto, a mesma teologia diz que “nada é mais subversivo na história do mundo do que celebrar a Eucaristia”. Porque a Eucaristia, em silêncio, fala-nos de uma lógica que se opõe diametralmente à do mundo: é a lógica do serviço contra a sede de poder. É a lógica do amor em vez do egoísmo. É a lógica da comunhão em contraposição ao individualismo. É a lógica da vida que vence a cultura da morte. É por isso que a Eucaristia é subversiva. É a fonte vigorosa e inesgotável da vida que Deus compartilha conosco para assimilar-nos a Ele.
Essa é a verdadeira cura da Eucaristia: a assimilação com Jesus de Nazaré, o único projeto de vida que nos torna autenticamente humanos, à imagem e semelhança do Pai. Por isso, depois da Eucaristia, já não podemos ser as mesmas pessoas. Dela dependem a beleza, a qualidade e a realização da nossa vida; a radicalidade e a coerência de nossas opções; a fidelidade, a perseverança e a generosidade do nosso serviço pastoral; a resistência e a resiliência diante dos desafios da missão e das perseguições de quem se opõe ao projeto de Deus.
Giorgio la Pira, político italiano reconhecido por seu testemunho cristão (1907-1977), começava o dia com a celebração da Missa e nunca fugia depois de comunhão. Parava por longos e silenciosos momentos de adoração. Foi destes tempos de contemplação que surgiu o dinamismo da sua ação sempre “rica em fé, sempre cheia de profecia, disponível ao exercício da caridade e ao serviço aos mais pobres, comprometido com a realização do bem comum e a construção da paz universal”.
A experiência ensina que por trás de uma celebração imperfeita há uma vida imperfeita. Por trás de um trabalho pastoral estéril há uma celebração estéril e vazia, minada pelo hábito, sem impulso generoso e gratuito. Atrás de desistências, abandonos, decepções e frustrações pode haver a ausência de uma autêntica experiência eucarística ou, pior ainda, a recusa dela em vista de uma adesão ao projeto que mundo oferece, assim como aconteceu com Judas na Última Ceia. O dinheiro, a carreira, o orgulho ferido, o interesse privado, o comodismo, o medo… podem falar mais alto quando a “tentação do diabo do egoísmo, do individualismo e da indiferença” entra em nosso coração, nos manda levantar da mesa da Eucaristia e tomar distância de sua proposta de vida.
Como na vida ordinária ninguém se sustenta sem se alimentar, assim acontece na militância cristã: não há futuro para quem não se alimenta de Cristo e não assimila todo dia seu projeto de vida. Como dizia dom Helder Câmara: “Não, não pares. É graça divina começar bem. Graça maior, persistir na caminhada certa, manter o ritmo… mas a graça das graças é não desistir. Podendo ou não podendo, caindo, embora, aos pedaços, chegar até o fim”. Fonte dessa Graça é a Eucaristia.
Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano
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