À Imagem de Deus
Tem três rostos no trecho do Evangelho de hoje (Mc 12,13-17). O primeiro é rosto mascarado dos fanáticos religiosos (fariseus) e dos colaboracionistas com o império romano (herodianos). Aproximam-se de Jesus para lhe fazer uma pergunta que tem sabor de hipocrisia e de engano mortal: “É permitido que se pague o imposto a César ou não: Devemos ou não pagá-lo?”. Para disfarçar suas reais intenções, chegam a elogiá-lo: “Sabemos que és sincero…”, dizem com maior falsidade. Na realidade, seu propósito é deixar o Mestre em apuros. Se responder que sim, fica malvisto pelos judeus; se responder que não, os romanos o acusarão de subversão. Jesus os desmascara. Reconhece e abomina a hipocrisia, sobretudo aquela religiosa, pois usa o nome de Deus para fazer o trabalho do “diabo”, do jeito que ele gosta, cuspindo ódio, espalhando mentiras, alimentando preconceitos e praticando violência. No universo da hipocrisia religiosa, descarta-se o avental do serviço para vestir as roupagens do poder; prioriza-se o cheiro de mofo de tradições ultrapassadas em detrimento da eterna vitalidade e novidade do Evangelho; resgatam-se práticas devocionais no lugar de preocupar-se de seguir o Mestre; os valores do Evangelho são substituídos por um discurso moralista e legalista que, em muitos casos, é a autodefesa dos devassos, que lutam contra sua própria perversão, atirando dardos de hipocrisia contra o seu próximo (Nilton Cesar Santana). Aos olhos do universo religioso contaminado pela hipocrisia, basta salvar a aparência, enquanto imoral e criminoso é quem procura viver conforme os valores do Evangelho. Não é nenhuma novidade. Foi assim que aconteceu com Jesus de Nazaré que acabou sendo preso injustamente, condenado graças a uma farsa processual e morto na cruz por decisão unânime de “homens religiosos”.
Jesus não cai na cilada. Pede que lhe mostrem uma moeda corrente do Império Romano. É bom parar um instante sobre este detalhe. Diz muito a respeito de Jesus e, sobretudo, de sua pobreza e de sua liberdade. Não tem dinheiro no bolso e, sobretudo, não carrega consigo a moeda com a imagem de um tirano que se apresenta como “todo-poderoso” e despreza a dignidade e a liberdade alheia, a diferença dos fariseus e herodianos que a manuseiam à vontade. Na moeda romana, de fato, havia a imagem do imperador Tibério e uma legenda que afirmava sua divindade. Trata-se da face desumanizada pela idolatria do poder a serviço da morte. Jesus pede que se devolva a César o que é de César. Reconhece a importância das instituições, a autonomia do poder civil e a obrigação por parte dos cidadãos de pagar os tributos ao Estado como dever fundamental de solidariedade. Mas, ao mesmo tempo, assume em relação ao poder a mesma posição dos profetas, sobretudo quando é usado não como serviço em busca do bem comum, mas para gerar morte. Ao mandar devolver a César o que é de César e Deus o que é de Deus, faz uma afirmação contundente. Posiciona-se contra a divinização das instituições, sobretudo, dos detentores do poder. Opõe-se a qualquer projeto teocrático ou ditatorial imposto por governantes que, revestindo-se de messianismo, se apesentam como deuses ou senhores do mundo. Devolver a Deus o que é de Deus significa que Deus não se identifica com nenhum projeto político em particular, mas como todos aqueles/as que assumem a lógica do serviço e buscam proteger, defender e promover a vida em todas as suas etapas e em todas suas dimensões.
Ao rosto mascarado dos fariseus e herodianos e à face desumanizada de César, Jesus encarna o verdadeiro rosto do Pai e, portanto, do ser humano feito à sua imagem e semelhança. Se na moeda romana há a figura de César, no ser humano está esculpida à imagem de Deus. Portanto, este pertence exclusivamente a Deus que não o trata como escravo, mas como filho. Não usa e abusa dele conforme seus caprichos, mas se coloca a seu serviço. Não lhe tira a vida, mas doa a Sua vida para que viva para sempre. Devolver a Deus o que é de Deus significa defender de maneira intransigente a dignidade humana. Não podemos pretender de salvar a nossa relação com Deus descuidando da nossa relação com os/as outros/as. Dar a Deus o que é de Deus é também dar a Ele a alegria de ver todos os seus filho e as suas filhas felizes e bem cuidados. Ninguém pode usar as pessoas como objeto e explorá-las conforme seus interesses. Devolver a Deus o que é de Deus quer dizer também buscar e resgatar a semelhança com Ele, pois só ela nos torna essencialmente humanos. A face verdadeira de Deus não está gravada numa moeda, na face de religiosos hipócritas, nos delírios de narcisistas ou na sede de poder de falsos messias, mas na Cruz. É nela que encontramos o rosto do verdadeiro Deus e do ser humano acomunados por um amor que não conhece limites. É essa a imagem que devemos buscar e carregar dentro de nós.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)