
A impotência por trás do feminicídio
O Brasil teve 1.400 feminicídios em 2022, uma alta de 6,6% em relação aos casos registrados em 2021, quando ocorreram 1.300 casos.
O Brasil está entre os cinco países do mundo com as maiores taxas de feminicídio. Uma posição inglória, pois somos um país onde 50,9% dos lares são mantidos financeiramente por mulheres. As mulheres representam no mercado de trabalho 54,34%, isso em 2019. Já no final de 2022, as mulheres representavam 54,17% das pessoas desempregadas.
Em muitos textos que retratam e aprofundam o estudo sobre as raízes da origem do feminicídio no Brasil apontam para a cultura social do machismo. Colocar o homem como o provedor, como aquele que tem a obrigação de trabalhar fora, apenas, e colocar o dinheiro dentro de casa. Os estudos revelam que nossa sociedade não tem mais este parâmetro como sendo o padrão social. Mas, por que a cultura machista ainda se faz tão forte e enraizada no convívio familiar e social?
A resposta para esta questão está presente em muitas teses. Já se gastou muitas páginas de livros e horas de mesas redondas, convenções e encontros nos botecos para se chegar a um consenso. Se temos homens que não são machistas, encontramos também as mulheres que defendem o machismo. Se temos mulheres que lutam por um espaço de fala e de ação, temos homens que inibem a fala e a atividade feminina fora das quatro paredes de casa. Chegam até mesmo a usar (inadvertidamente) textos bíblicos para justificar tal condição subserviente da mulher.
Fico aqui com a frase que ouvi no boteco: “Um homem sem seu órgão sexual, não é um homem”. Fiz um ajuste no texto para não ser tão vulgar. Pode parecer um eufemismo, e o é, mas foi esta frase que me fez refletir sobre a ligação direta entre a capacidade (ou incapacidade) sexual de homem e os abusos e violências cometidos por ele contra a mulher. A pesquisa nos mostra que o feminicídio íntimo é o que mais ocorre em nossa sociedade. A mulher é agredida (de forma física, emocional, psicológica) por um homem do seu convívio, não importando se é namorada, noiva, esposa, enfim, a relação entre eles é apenas o elo que os une, que os aproxima.
Se o homem considera que sua virilidade, seu libido, seu desempenho sexual, não é o que foi ou o que ele gostaria que fosse, ele se sente menor, inferior, ridicularizado e sua mente passa a ser povoada pelo medo da traição, de ser trocado, ou o pior, de ser comparado com algum outro homem e ser taxado como o impotente. Utiliza-se, cada vez mais e cada vez mais cedo, os estimuladores sexuais, os azuizinhos. Será que o uso desenfreado destes medicamos irá prejudicar, ainda mais, nos anos futuros deste consumidor?
Ser agredida pelo companheiro que na noite anterior não conseguiu manter uma ereção pode acometer a mulher o pensamento (e o sentimento) de culpa. De que ela não é mais atraente aos olhos dele. Esse sentimento de culpa leva a mulher ao comportamento da permissividade, de achar que o grito, o tapa na mesa, o empurrão, o tapa na cara… é porque ele está passando por um momento difícil, porque ele está nervoso e que amanhã passa… Até que, munido de uma faca ou de uma arma de fogo, ele resolve tirar a vida desta mulher, como se aquele ato lhe devolvesse a capacidade sexual. Como que, se eu não consigo lhe dá prazer, nenhum outro poderá o fazer. Toda raiva por sua condição física e emocional é colocada para fora, naquele momento e contra aquela que, aceitou chegar até este momento, que tolerou tudo, que tentou lhe ajudar até ali, mas que perdeu a vida porque ele perdeu a impotência. E foi essa impotência de gritar por socorro, ainda quando o tapa era na mesa, é que fez ele se sentir potente para lhe agredir e matar.
A Lei do Feminicídio entrou em vigor em 2015 e colocou o crime contra as mulheres na lista de crimes hediondos, que têm penas mais altas. Disque 100 e denuncie.
Por Tranquilo Dias,leigo missionário comboniano