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A Lição da Viúva
“Essa pobre viúva ofertou mais do que todos. Pois todos eles depositaram, como oferta feita a Deus, aquilo que lhes sobrava. Mas a viúva, na sua pobreza, ofertou tudo o quanto tinha para viver” (Lc 21,1-4)
Eis quem se destaca aos olhos de Jesus de Nazaré. Não é o templo com toda sua suntuosidade, os solenes rituais e nem as ingentes somas de dinheiro que os ricos depositam na urna do tesouro. Quem chama a atenção do Mestre é uma pessoa triplamente marginalizada por ser mulher, pobre e viúva. Segundo a mentalidade do tempo, é uma figura invisível, condenada a viver submissa a regras discriminatórias e sujeita a todo tipo de violência porque impedida de fazer valer seus direitos por não ter ninguém que a defenda. Seus centavos não fazem barulho e são insignificantes na contabilidade humana. Aquelas moedinhas não fazem nenhuma diferença no montante do tesouro do templo. Se não fosse por Jesus, ainda uma vez ela passaria despercebida ou ridicularizada.
Mas o Mestre se detém para contemplá-la. Nela sente a presença do Espírito que não consegue perceber no resto do ambiente. A cena protagonizada por ela é o principal evento religioso do dia. Não é oficiado por um religioso e não acontece segundo um ritual predefinido. É celebrado com espontaneidade, simplicidade e, sobretudo, a partir não dos lábios, mas do coração assim como Deus gosta. “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27). A mulher pobre e viúva não vai ao templo por obrigação ou ostentação, mas porque conta com o Absoluto como seu único refúgio. Não desfila para “se amostrar” e ganhar a estima dos outros como fazem os doutores da lei que, até nos cultos, vivem de ostentação, transformam a vida num teatro, usam Deus como cobertura para disfarçar sua obsessão pelo reconhecimento alheio, gostam de andar com roupas vistosas, fazem questão de ocupar as primeiras cadeiras e fingem de orar com longas orações. Jean-Paul Sartre, em sua autobiografia, usa uma frase feroz para definir a postura religiosa de seu avô: “Meu avô era um ator bom demais para não precisar de um grande espectador que ele chamava de Deus”. Deus e os outros, ainda hoje, são considerados espectadores que aplaudem um roteiro a ser encenado (Pe. Antônio Mancuso), onde o protagonista não é mais Deus, mas sacerdotes feitos artistas que atraem a atenção para si e usam Deus para satisfazer sua necessidade de estrelismo, amargando depressões e síndrome de pânico quando o sucesso começa a vacilar. Para a viúva a aprovação alheia pouco conta. Basta-lhe saber que Deus não tira o olho dela. Não vai até lá para participar da “feira do supérfluo” onde se dão as sobras para posar no foto como filantropo ou fazer “generosas” ofertas com dinheiro que, às vezes, é fruto de iniquidade, mas para ofertar-se. Não entrega a Deus o que sobra, mas tudo quanto tem para viver. Seu gesto é a meditação mais acertada do dia. Sem fazer barulho e sem dizer uma palavra, oferece, do alto de sua humildade, uma das mais ricas lições de teologia com a competência da fé simples e sincera. Na catedral do sagrado povoada de sacerdotes e doutores da Lei, é ela a única pessoa que tem moral para sentar-se na cátedra. A “lectio magistralis” fica por conta dela. Além de dar um “tapa moral” na cara da ostentação, a viúva nos dá aula a respeito de um assunto profundo e muito mais sério: a relação com o dinheiro e os bens materiais. Trata-se de um indicador decisivo para entender a relação com Deus. A maneira como lidamos com os bens materiais revela qual é o tesouro em que nós apostamos a nossa vida e quais são fundamentos que dá efetiva consistência aos nossos dias. O gesto da viúva, antes mesmo de ser um ato de caridade, é um ato de fé. Nasce da consciência de que tudo o que se possui e tudo o que se é vem de Deus e é destinado à partilha. Ao doar tudo o que tem para viver, a viúva nos ensina o que significa confiar em Deus sem exigir nenhuma garantia. Diante da tamanha sabedoria, o Mestre se comporta como um bom aluno. Sentado, observa atentamente sua lição de vida. As palavras nem sempre convencem, muitas vezes enganam. Mas os exemplos arrastam. Jesus chama os discípulos para que também eles fiquem edificados por aquele grande exemplo. “É valiosa a oração com o jejum e a esmola com a justiça. Melhor é pouco com justiça do que muito com iniquidade… Os que dão esmola com justiça serão saciados de vida” (Tobias, 12,8-9). O Senhor capta a mensagem da pobre viúva e faz tesouro dela. No alto da cruz fará direitinho a lição de casa que aprendeu dela. Será Ele a vivenciar isso ao depositar toda Sua vida nas mãos do Pai para a salvação da humanidade. Ainda uma vez Deus nos surpreende. Faz questão de passar Seu recado através dos/as pobres, porque é assim do seu agrado. O Filho sabe disso e O louva por esta extraordinária escolha: “Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos” (Mt 11,25). Portanto, escutemos o/a pequeno, o/a empobrecido/a, a viúva, o órfão e o prófugo com atenção! Temos muito que aprender deles/as.
(Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)