A Luz da Periferia
É difícil saber se a memória dos Reis Magos e da estrela se refere a um evento que ocorreu ou é uma narrativa simbólica, usada por Mateus para responder às dúvidas dos judeus cristãos, chocados com a destruição de Jerusalém, que ocorreu pouco antes.
Mais do que uma história verdadeira, trata-se da “verdade da história”, de cada história, da história de ontem e da nossa, hoje.
Mateus desafia a sua e as nossas comunidades a ultrapassarem os limites e fronteiras dentro dos quais a cultura dominante quer nos enquadrar e que exclui a luta e o “diferente”, o migrante, aqueles que têm outra cor e aqueles que pensam, acreditam e agem de forma diferente.
As últimas palavras de Jesus que Mateus recordará, dir-nos-ão para sairmos, para irmos às “nações”, a todos aqueles que não são o “nosso” povo eleito, a “nossa” semente santa, anunciar-lhes as coisas de Jesus (Mt 28,18-20).
E são precisamente eles, os sábios Magos do Oriente, das nações, que, desde o princípio, nos dão a conhecer o que devemos viver e anunciar.
Viram uma estrela, uma luz que indica o caminho: é a luz de um novo rei, diante do qual desejam prostrar-se em adoração. Nenhum apóstolo ainda os evangelizou; para eles é suficiente uma estrela, um sinal do céu.
E mesmo na Judeia, em nossa casa, a estrela não é mais vista. Em toda a terra resplandece a luz; só Jerusalém está no escuro. Mas, geralmente, um rei nasce na capital, em um palácio e é lá que os sábios vão.
Como saber quem ou o que é a “luz das nações”? A Escritura era ambígua. Luz das nações poderia ter sido Jerusalém:
Levanta-te, resplandece, porque a tua luz chegou, olha: as trevas envolvem a terra e o nevoeiro o povo, mas a luz do Senhor brilha sobre ti (…) os reis correm para o esplendor do teu amanhecer (…) trazendo ouro e incenso (Is 60,1-6).
Toda a terra está nas trevas, enquanto Jerusalém brilha como um farol: era a visão, nostálgica, de um projeto triunfalista de poder e de riqueza.
Luz das nações, porém, era também o servo de Yahweh, o pobre, desprezado que encontra a sua força no Senhor e assume corajosamente a missão:
E Yahweh me chamou desde o ventre da minha mãe (…) Ele me disse: “(…) Eu te destinei a ser a luz das nações, para que a minha salvação chegue até à extremidade da terra (Is 49:1-9; 42:1-7).
E aqui, é a luz que, em vez de atrair, ilumina toda a terra.
Os Magos do Oriente devem escolher qual luz a seguir.
Em Jerusalém há o palácio do rei, o templo dos sacerdotes e o sinédrio dos saduceus, dos escribas e dos anciãos do povo.
O anúncio do nascimento de um novo rei produz espanto, confusão e medo, especialmente em Herodes, que teve muitos filhos e já havia mandado matar mais de um, por medo de ser derrubado por um deles.
Herodes, o Idumeu, sabia que o Messias também era chamado de “filho da estrela” (Nm 24,17-19) e que ele dominaria, pela força, todas as nações vizinhas, incluindo sua Idumea. Herodes sabe que é o Messias, convoca os sacerdotes e pergunta-lhes o que diz a Escritura. A palavra de Miquéias, dizem os sacerdotes, indica Belém: ali nascerá o Messias.
Herodes diz isso aos Magos, finge querer adorá-lo também, em vez disso, ele quer eliminá-lo.
Jerusalém não é – e nunca será – a luz das nações. Jerusalém está na escuridão. Quando, um dia, Jerusalém for destruída pelas legiões de Roma, será como jogar fora uma lâmpada queimada que nunca será capaz de iluminar.
Só saindo de Jerusalém é que a estrela voltará a brilhar, apontando na direção certa: uma pequena aldeia, uma casa, uma criança, uma mãe.
Com grande alegria, os magos entram na casa sobre a qual a estrela pousou e finalmente encaram a quem prostrar-se em adoração: uma criança nos braços da sua mãe. Para ele entregam os dons, sinais indeléveis de poder econômico, político e religioso que Jerusalém sempre quis concentrar: o ouro do palácio do rei (1Reis 10,14), o incenso a ser queimado no altar colocado em frente ao véu do templo (Êx 30,1-8) e a mirra, o primeiro e maior componente do unguento a ser usada para a sagrada unção messiânica (Êx 30,22-25).
Jerusalém pode ser definitivamente deixada ir. Há outro caminho a seguir.
Jerusalém e Belém são os dois projetos entre os quais devemos sempre escolher.
Também hoje somos chamados a escolher. Há o projeto mundial do “mercado”, o supremo Herodes que concentra riquezas, que devasta a nossa casa comum e que provoca a violência e a exclusão dos pobres, dos diferentes: um projeto genocida, sexista, fascista.
E há o projeto daqueles que colocam os pequenos e as pequenas no centro e, com eles e por eles, lutam pela justiça do Reino de Deus, o reino da criança e de sua mãe.
A luz das nações continuará a brilhar. Luz será, para sempre, quem faz justiça:
Vós sois a luz do mundo (Mt 5,14).
Solte as correntes da injusta, (…) dê liberdade aos oprimidos (…) compartilhe o pão com os famintos, acolha os sem-teto em casa! Quando você vir um homem nu, vista-o e não se recuse a ajudar os outros! Então a tua luz brilhará nas trevas, e as trevas se tornarão meio-dia (Is 58,6-10).
O sábio brilhará como o esplendor do firmamento; os que ensinam a muitos a justiça resplandecerão como as estrelas para sempre (Dn 12,3).
Por Sandro Gallazzi