A Melhor Parte
O lugar é uma casa simples de uma aldeia chamada Betânia. Nela moram duas mulheres e um homem unidos entre eles por laços de fraternidade. A atmosfera é de acolhida. Até quem lê o texto se sente em casa. A linguagem é doméstica e as palavras utilizadas são caseiras. Dá para sentir o cheiro da comida que Marta está preparando para o visitante. À primeira vista parece só um acontecimento “profano”, uma visita de cortesia, uma pausa de descanso durante a longa e difícil viagem de Jesus rumo a Jerusalém. Mas, Jesus, como sempre, faz daquele encontro um evento “religioso”. Aquela casa acolhedora, com fragrância de fraternidade, se torna “lugar teológico”, ponto de referência para todos/as nós como ícone daquilo que precisa ser e fazer para Deus se sentir em casa.
Marta é uma pessoa hospitaleira. A sua casa está sempre aberta, mas está tão aflita com os preparativos que não consegue dar atenção ao hospede. No fundo, ela está se dedicando a si mesma. Está preocupada em causar boa impressão. Maria, ao contrário, prioriza o amigo. Senta-se a seus pés para ouvir sua Palavra. Ela não se importa de fazer coisas para ele com o intuito de agradá-lo, mas prefere abrir-se ao dom que o visitante é e representa para sua vida. Ela sabe que está diante de uma grande novidade. Marta, ao contrário, não se dá conta disso. Diante de Jesus comporta-se normalmente. Limita-se a cumprir o que mandam as normas da acolhida e da hospitalidade. Ela é símbolo daquela porção de povo que acredita que cumprindo a lei está tudo certo. Maria, cumpre também o costume da acolhida e da hospitalidade, mas o faz de modo diferente. Não lhe abre somente as portas de casa, mas também aquelas do coração. Mesmo estando em sua casa, entende que é ela que deve pedir acolhida ao Seu hóspede. Jesus a deixa entra no seu universo, superando até as convenções tradicionais que não permitiam que uma mulher ficasse no quarto reservado aos homens ou que se tornasse discípula de um Rabi. Ao escutar o amigo, Maria se sente tratada como protagonista. Seu papel não é somente aquele de ficar relegada na cozinha para cumprir as “tarefas domésticas”, mas de participar ativamente na construção do Reino de Deus.
Obviamente, Marta reclama do desinteresse da irmã pelos “deveres de uma mulher”. Chega até a ser deselegante com a visita. Repreende o amigo porque não se importa por ela ter sido deixada sozinha na cozinha. Suas palavras nunca foram tão verdadeiras. Marta está sozinha. Ela não percebe que o que está fazendo não só a afasta do amigo e da irmã, mas até de si mesma. O excessivo trabalho a distraiu até de sua própria identidade. Tudo tinha começado muito bem. Inicialmente, a acolhida fora carinhosa: no centro estava o amigo e o que tinha de ser feito por ele. Nesse quadro harmonioso em que cada uma das irmãs coloca Jesus no centro de suas atenções, algo se rompe quando Marta primeiro desloca seu olhar de Jesus para Maria e para o que ela não está fazendo e depois termina de colocar a si mesma e sua solidão no centro. Tudo vira de cabeça para baixo: Marta coloca seu ponto de vista no centro e quer que até Jesus faça prevalecer o seu ponto de vista.
Mesmo ocupada para servir o hóspede, Marta se observa, por isso se agita. Paradoxalmente, é precisamente o serviço que ela acha que deve prestar a Jesus que acaba por afastá-la dele. Mesmo trabalhando para o amigo, não se importa que o tenha deixado de lado, convencida de que sabe desde o início do que ele gosta. Maria não olha para si mesma, olha para o amigo: no centro está ele e a sua Palavra, a única que, apesar da multiplicidade das coisas que precisam ser feitas, nos preserva daquela fragmentação interior que nos causa tanto sofrimento (pe. Antônio Savone).
O Mestre não quer que se trabalhe para ele, mas que trabalhemos com ele. Não somos seus servos, mas seus amigos. Inclusive, a atmosfera caseira e o clima de fraternidade nos fazem sentir irmãos e irmãs, com igual dignidade e sem discriminações. Para Jesus, Só uma coisa é necessária: o discipulado. Qualquer que seja a atividade que estejamos fazendo, o importante é que estejamos em comunhão com Ele e permaneçamos n’Ele.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)