
A Mesquinhez de nossos Preconceitos não pode limitar a extensão da Bondade e da Misericórdia de Deus
É mais fácil converter a cidade de Nínive que o profeta Jonas (Jonas 4,1-11). Enquanto os ninivitas escutam a mensagem de Deus, vestem-se de saco e se sentam sobre a cinza para voltarem a Deus e pedirem perdão de seus pecados, Jonas prefere fugir e trancar-se no seu mundinho habitado por visões mesquinhas, preconceituosas e reducionistas. O profeta não dá o braço a torcer. Ele é um zeloso defensor de Deus e faz de tudo para que nada e ninguém que não seja “digno” se aproxime do Senhor e o invoque. Sua cabeça ferve de raiva. Levanta barreiras e foge para não ser encontrado por esse Deus clemente e misericordioso. Prefere o Deus forte que mata sua sede de vingança. Sua misericórdia o deixa indignado. Vai a Nínive porque é obrigado. Se fosse por ele, nunca colocaria o pé no meio daquela gentalha. Em posse da certidão de pertença ao “povo eleito” e do alto de seu moralismo perfeccionista sente-se no direito de pedir a Deus a destruição de Nínive. Conforme seu código de conduta e sua visão doutrinária, os ninivitas merecem ser exterminados para vingar Deus e fazer justiça àqueles que agem conforme a Lei. Portanto, torce pelo fracasso de sua missão. Quer ver o circo pegar fogo. Fica irritado com o desfecho. Xinga Deus. Considera-o mole. Esquenta a cabeça com seu coração demasiadamente grande. Deus, num primeiro momento, não diz nada. Tenta acalmá-lo fazendo crescer um arbusto para protegê-lo com sua sombra e curá-lo de seu mau humor. Mas no dia seguinte, manda um verme que ataca a raiz da hera e ela seca. Com o passar das horas o dia vai esquentando. Jonas não aguenta mais. Pede para morrer. Então o Senhor entra em cena de novo para dar-lhe a lição de moral: “Tiveste compaixão de um arbusto pelo qual nada fizeste, que não fizeste crescer, que nasceu numa noite e numa noite morreu. E, então, não hei de ter compaixão da grande cidade de Nínive, onde há mais de cento e vinte mil seres humanos, que não sabem discernir entre sua mão direita e sua mão esquerda, e uma inumerável multidão de animais?”. Eis um balde de misericórdia no “fervoroso zelo” de Jonas. Deus não precisa de defensores, guarda-costas e menos ainda de assistente de acusação. Desautoriza todos os “mensageiros” que usam Sua Palavra para tocar o terror. Ele tem Seu jeito próprio de fazer justiça. Usa tolerância zero com o pecado, mas faz de tudo para encontrar e salvar o pecador. A nós confia o trabalho de preparar o terreno para este encontro. Não existe condução coercitiva nem adianta fazer terrorismo com a ameaça do endurecimento das consequências. O que convence mesmo é a acolhida, o cuidado e a misericórdia com a pessoa. Quando se percorre este caminho é mais fácil para o “pecador” perceber o erro e arcar com as consequências: a reparação do dano, a mudança de vida e a restauração das relações com os/as outros. No lugar de pedir a Deus a vingança que corrói nosso coração como um verme, demandemos a sombra da sua compaixão para que usemos misericórdia com todas as pessoas, inclusive com nós mesmos. Não se trata de anuência ao pecado, ao crime e à violência…, mas de ser justo com misericórdia. A aplicação da justiça e a execução da sentença nunca fechem definitivamente as portas para a chance da mudança e da conversão. Vale pena confiar na possibilidade alheia de dar a volta por cima. É trágico constatar que, ainda hoje, existem igrejas, grupos, movimentos e pessoas que têm o mesmo pensamento mesquinho e preconceituoso de Jonas. Com suas falas e suas práticas desautorizam Jesus de Nazaré, rosto da misericórdia do Pai, que só exige que nos façamos pequenos, pobres e humildes para receber um Deus que certamente não necessita de “aduaneiros” que restringem o acesso a Ele somente a quem merece; não precisa de “seguranças” para impedir que os/as “pecadores/as/’ toquem nele; não chamou ninguém para assumir a função de assistente de acusação e de juiz para sentenciar e condenar quem erra, mas quer que todos seus discípulos e discípulas sejam testemunhas e apóstolos de sua generosa e incondicionada misericórdia, aquela mesma que nos beneficia ilimitadamente. Deus ilumine todos/as nós, sobretudo as pessoas que enfrentam o desafio pastoral de trabalhar na rua, no sistema penitenciário e socioeducativo e com todos os outros grupos humanos marginalizados. Além de protegê-los e de assegurar-lhes o cuidado necessário para encarar os desafios do trabalho, os liberte da tentação de ficar prisioneiros de ideologias que incentivam o preconceito e a violência e conceda a todos eles/elas o discernimento para que cumpram sua missão buscando sempre oportunizar a todos/as a chance de ressignificar suas vidas à luz da misericórdia de Deus e da solidariedade da comunidade.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)