A Pedra Descartada é a Pedra Angular
A polêmica entre Jesus e as autoridades religiosas de sua época torna-se cada vez mais tensa. Fica exposta, sem meios-termos, na parábola dos vinhateiros homicidas, que descreve exatamente o que está por vir (Mt 21,33-46). Jesus sabe que as autoridades políticas e religiosas de Jerusalém estão tramando sua morte. Seu Evangelho choca-se com os interesses do sistema. Para aqueles acostumados a explorar a vinha em benefício próprio, a Palavra que fala de fraternidade, solidariedade, misericórdia e serviço torna-se perigosa. Desautoriza-os aos olhos do povo e arrebata-lhes o controle sobre as pessoas simples. O poder e a ganância transformam os “cuidadores da vinha” em predadores, ladrões e assassinos. Tudo isso não é novidade. A parábola de Jesus é uma alegoria que remete a imagens características da tradição bíblica do Antigo Testamento, especialmente ao famoso “canto da vinha” de Isaías (5:1-7), onde o profeta canta o zelo de Deus por sua vinha e sua decepção pelos poucos frutos.
O Senhor planta a vinha com todo cuidado e, tendo que viajar, a arrenda a alguns agricultores. Na época da colheita, manda seus empregados aos agricultores para receber sua parte dos frutos da vinha. Mas os agricultores pegam os empregados, batem neles e os mandam de volta sem nada. O dono insiste com outros empregados, e estes são mortos. Então, o dono envia seu Filho Amado, achando que terão respeito por ele. Mas os agricultores, com o intuito de ficar com a herança, agarram o filho, o matam e o jogam fora da vinha.
O texto é de uma transparência escancarada. Não dá para fingir que não tem nada a ver conosco. O evangelista Mateus enfatiza isso no final do texto: “Os sumos sacerdotes e os fariseus ouviram as parábolas de Jesus e compreenderam que ele estava falando deles. Procuraram prendê-lo, mas ficaram com medo das multidões, pois elas consideravam Jesus um profeta”.
A “vinha” é o Reino de Deus, os servos são os profetas, o proprietário é Deus, os vinhateiros são os líderes religiosos, e o fruto é a fidelidade à Aliança. O dono da vinha (Deus) não cessa de confiar em seu povo e envia, várias vezes, seus servos (os profetas) para colher os frutos que espera de sua vinha: justiça, paz, misericórdia, verdade, amor… Contudo, as lideranças religiosas infiéis se apoderam da vinha e a exploram conforme seus interesses. Rejeitam e matam os profetas. Por causa de sua maldade, o que deveria ser uma história de vida marcada pela alegria e festa da colheita abundante transforma-se em uma tragédia com derramamento de sangue inocente. Deus, porém, não desiste. Não se rende à violência. Diante do recrudescimento do pecado, responde com a excedência de Seu amor. Ele não tem outra pedagogia senão essa paciência imbuída de misericórdia, sem medida, para salvar a qualquer custo aqueles que extravasam violência além de todos os limites. Porque Deus ama verdadeiramente, conhece a fraqueza humana, não se escandaliza, sabe que a única resposta ao mal é um amor maior (Pe. Antonello Lapicca). Por mais grande que seja Sua decepção diante da ingratidão e da infidelidade humana, manda, por último, Seu Filho único, a quem muito ama, dizendo: “A meu filho eles vão respeitar!”. Os “vinhateiros” o reconhecem, sabem que é o herdeiro e, mesmo assim, decidem não só matá-lo, mas também apagar da memória do povo a lembrança dele, jogando-o para fora da vinha. Descartamo-lo. O relato é de uma atualidade impressionante, profetizando o que acontece hoje. Incomodadas com a força libertadora do Evangelho, “lideranças religiosas” fazem de tudo para “eliminar o herdeiro”, jogar fora Seu Evangelho, manipular sua Palavra e até substituí-la com tradições e práticas “religiosas” que nada têm a ver com o estilo de vida proposto por Ele.
“O que fará então o dono da vinha?”. Os relatos bíblicos anteriores já ofereciam uma resposta: Deus condena quem abusa do poder religioso para manipular e oprimir o povo. Mas agora há uma novidade inesperada: não só se prevê a punição dos responsáveis, como também se anuncia que o plano de Deus será confiado a “outros”. “Ele eliminará os vinhateiros perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo”. Confiará o Reino de Deus a um povo que produzirá frutos.
Não basta ser batizado e dizer-se cristão para fazer parte da vinha do Senhor. A única garantia de pertencer ao Reino é a fidelidade ao Evangelho, comprovada pelos frutos de fraternidade, amizade, misericórdia, justiça e paz. A vinha do Senhor é aquela que está solidamente fundada em Jesus de Nazaré. “A pedra que os construtores rejeitaram veio a tornar-se a pedra angular”. Jesus é a videira verdadeira (Jo 15,1-8), a única que tem a exclusividade de dar os frutos que o Pai espera ansiosamente. O seu Evangelho é a seiva que torna fecunda nossa vida. Erradicar-se da cultura da morte e enxertar-se n’Ele é a única possibilidade de dar os frutos conformes às expectativas do Pai. Diferentemente dos vinhateiros malvados que depredam a vinha, se apoderam dela para alimentar seus interesses e deixam rastros de violência e morte, Jesus cuida e gera vida em abundância doando sua própria vida, também por aqueles que o mataram, pois, ao contrário do ser humano que descarta tudo, até Deus, Deus recupera tudo, menos a si mesmo, pois o dom de si “é a fundo perdido”, não é reembolsável, é Graça para sempre. Só quem permanece n’Ele e se entrega aos seus cuidados deixa de ser um galho seco, estéril ou, pior ainda, venenoso e passa a fazer parte da vinha do Senhor que faz a alegria do mundo com a abundância de seus bons frutos. Vamos nessa! (Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)