“A raiz de todos os males é a cobiça”
Quando meu pai foi chamado para servir a marinha italiana durante a Segunda Guerra Mundial, teve que passar por uma avaliação médica antes de embarcar. O recluta que estava na fila antes na frente dele, com o intuito de se safar do serviço militar, fingiu-se surdo. O médico o dispensou. Contudo, quando o jovem saiu da sala, o médico ficou na janela. Ao ver o rapaz saindo do prédio, jogou perto dele um punhado de moedas. O barulho do dinheiro desmascarou o falso surdo. Ao ouvir o som das moedas, ele se dobrou para recolhê-las. Ao ver a cena o médico gritou da janela para os policiais para que o prendessem como desertor. “Moral da história – dizia, dizia meu pai -. O dinheiro abre os olhos dos cegos, os ouvidos dos surdos e a boca dos mudos, além de atiçar os impulsos humanos mais perversos, como a ganância”. Estava certo. Sempre foi assim e ninguém se safa disso. O pior é constatar que, quando a ganância toma conta da pessoa, não há dinheiro que consiga satisfazê-la. O ganancioso nunca está satisfeito. Quer sempre mais. O dinheiro passa a ser o seu “deus”. Para “servir” e “cultuar” Mamon está disposto a fazer qualquer coisa, inclusive a sacrificar vidas humanas. O capitalismo é a expressão mais perversa da ganância. “É uma religião, a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro” (Giorgio Agamben). Com o capitalismo, “Deus não morreu. Ele tronou-se Dinheiro”.
O culto ao dinheiro contaminou também muitos religiosos de várias expressões religiosas. Não é uma novidade. O Apóstolo Paulo já alertava a respeito deste risco há mais de 2 mil anos atrás na primeira Carta a Timóteo, cujo texto é proposto na liturgia de hoje (1 Tm 6,3-10). O Evangelho corre risco não só pela dura oposição do mundo, mas também por “inimigos” internos às comunidades. Trata-se de falsos mestres, que ensinam doutrinas estranhas e discordam das palavras salutares de Jesus. São pessoas obcecadas pelo orgulho, com mente corrompida e privados de verdade, que morbidamente se comprazem em questões e discussões de palavras. Usam a religião para se enriquecerem causando um grave dano à credibilidade da mensagem evangélica.
A piedade, diz Paulo, é fonte de lucro, mas quando é acompanhada do espírito de desprendimento. Fois assim que ele viveu. Paulo sempre quis demonstrar explicitamente seu desinteresse pelos bens materiais (Fl 4,12) como também sempre fez questão de sublinhar seu empenho a ganhar o pão de cada dia com o suor do seu rosto sem ser pesado a ninguém nem usar privilégios para seu trabalho apostólico (1Cor 9,1-17). Esse testemunho de desprendimento e de pobreza digna só é possível vivê-lo por amor e pela força de Jesus Cristo: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4,13). Não adianta acumular riquezas visto que nada trouxemos ao mundo e nada poderemos levar. A única riqueza que poderemos carregar conosco é a caridade que praticamos concreta e gratuitamente durante esta vida. Os que desejam enriquecer às custas do Evangelho caem em tentação e armadilhas, em muitos desejos loucos e perniciosos que afundam o ser humano na perdição e na ruína porque a raiz de todos os males é a cobiça do dinheiro (1Tm 6,9-10).
Confiemos na Providência. Contentemo-nos do alimento e vestuário necessários (Pr 30,8). Como sugere Paulo a Timóteo, procuremos a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão, sobretudo, a fidelidade ao Evangelho de Jesus de Nazaré. Cuidado com a busca obsessiva pelo sucesso, que pode nos levar a adequar-nos à mentalidade do mundo. A sobriedade de vida, inclusive na hora das nossas liturgias, sirva para nos colocarmos de lado para nós diminuirmos e Jesus se tonar o verdadeiro protagonista. A única “peça litúrgica” na Última Ceia que Jesus nos deixou foi o avental. O Cristo glorioso é o Servo de Javé.
Hoje lembramos o terceiro aniversário da passagem de Pe. Carlos Bascaran, missionário comboniano, que faleceu em Santa Rita/PB por causa da Covid19. Pe. Carlos foi um exemplo de desprendimento. Apaixonado pelo Evangelho, viveu de maneira despojada, dedicando toda a sua pessoa e os recursos que recebia pela Providência, a serviço do anúncio do Evangelho e da solidariedade com os mais pobres. Quando morreu, em seu quarto não achamos nada de valor econômico, mas uma peça de altíssimo valor cristão: seu inseparável chinelo. Alguém o criticava porque andava sempre de chinelo. Mas é justamente o chinelo a melhor herança dele, porque, representava o mistério da Encarnação de Jesus de Nazaré e sua proximidade com os mais pobres. Na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, tem um detalhe que sempre chamou a minha atenção: o Menino Jesus, no colo da Virgem Mari, perde o chinelo, para dizer que Ele quis colocar o pé no chão para compartilhar em tudo a condição humana. Pisar na lama e sujar pés para se aproximar dos mais pobres é um gesto profundamente evangélico. Oxalá, todos os/as religiosos/as tivessem esta oportunidade. Quanto mais perto dos pobres estamos, mais próximo de Deus ficamos.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)