A Surpresa de Deus (Mt 11,25-27)
O discurso missionário de Jesus não parece muito animador. É recheado de desafios e dificuldades. O Mestre faz questão de evitar tons triunfalistas, deixando bem claro que os/as missionários não terão vida fácil. O Evangelho é exigente. Propõe uma mudança radical: a conversão aos valores do Reino. Trata-se de remodelar a vida a partir de um novo conceito de Justiça que tem como referência o Discurso da Montanha. As mudanças nem sempre agradam, sobretudo quando precisa colocar-se em jogo e renunciar a seus próprios interesses. A reação é quase sempre negativa, inclusive por parte de quem “religiosamente” deveria estar mais disposto a esta mudança. Mas é justamente nos “ambientes religiosos” que a rejeição aparece com mais força ao ponto de tornar-se violenta, como aconteceu com Jesus. Sua experiência deve servir de lição. A chance de fracassar é muto grande. As cidades de Corozaim, Betsaida e Cafanaum, mesmo tendo tido o privilégio de testemunhar a sua ação missionária, fechadas em sua arrogância religiosa, torcem o nariz diante do Nazareno, resignado e humilde demais para satisfazer o sonho de poder e grandeza da maioria do povo. Fariseus, escribas, saduceus e devotos do seu tempo tinham tudo para reconhecer em suas palavras o apelo dos profetas para retornar aos caminhos de Deus, mas não é isso que acontece. Eles fazem de tudo para infernizar a vida de Jesus, recusando terminantemente a novidade de Seu Evangelho.
A situação é tão difícil que o próprio Jesus mostra seu sofrimento. Em suas palavras transparece toda sua decepção, mas não desiste. Diante do fracasso de seu projeto, em vez de se arrepender e desanimar, Ele exulta de alegria. No meio da crise abençoa o Pai porque descobre que a recusa do Evangelho por parte dos sábios e entendidos se torna oportunidade para uma surpreendente revelação: Deus faz conhecer Seu rosto aos pobres e pequenos. Aqueles que, aos olhos dos doutores da Lei e dos escribas, eram considerados amaldiçoados, porque, sendo analfabetas, não conheciam a lei em profundidade e, portanto, não estavam em condições de cumpri-la inteiramente, se tornam os principais beneficiários da ação salvífica e libertadora de Deus.
Deus é assim: se alguém fecha a porta de um lado, Ele abre uma janela do outro lado. Aquilo que aos nossos olhos parece um limite e um fracasso torna-se, na lógica amorosa dele, uma oportunidade de mudança, uma reviravolta, um ato de subversão da lógica mesquinha e preconceituosa do mundo. Isto acontece porque Deus é Pai, não um tremendo carrasco, de nariz empinado e cheio de preconceitos como nós gostaríamos que fosse. O apelativo carinhoso aparece cinco vezes nestes três versículos propostos. Nos quatro evangelhos é citado 182 na boca de Jesus. Cheio de Espírito, abre seu coração e partilha conosco os secretos mais íntimos de sua espiritualidade: a predileção do Pai, seu sentimento filial e o verdadeiro sentido de sua missão que é aquela de libertar todas as pessoas que se sentem abatidas e agoniadas sob o peso da exclusão social e religiosa. Deus é família. É Pai e Mãe de todos/as. A sua casa está aberta a toda a humanidade. Ninguém deve se sentir excluído do Seu amor. As portas do Reino estão escancaradas para acolher todas as pessoas. O acesso não depende de privilégios étnicos, do poder econômico, do grau de instrução e do nível de conhecimento teológico e bíblico, mas da capacidade de captar a passagem de Deus na história e da disponibilidade para aceitar o Seu chamado a amar como Ele ama. Ele é o Senhor do céu e da terra. O destino da história está em suas mãos. Também quando acontecem coisas fora dos nossos esquemas, na oração aprendemos que Deus age livremente, surpreendendo-nos com suas novidades que colocam em xeque os nossos critérios de juízo e nossas expectativas. A revelação desta beleza e criatividade de Deus foi introduzida no mundo por Jesus através de Seu Evangelho, Antes dele ninguém podia imaginar um Deus assim. É o Filho que O revelou. Para conhecer o verdadeiro Deus precisa olhar para Ele. Sem Jesus, produzimos caricaturas de Deus a serviços das nossas perversas intenções e das nossas ações maldosas.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)