
A teologia do coração
Hoje, festa do Sagrado Coração de Jesus, tem aula de sobre o coração (Mt 11,25-30). Não é uma lição de cardiologia, mas de teologia. O Mestre é Jesus. Ele fala de coração aberto aos nossos corações cansados e fatigados, dobrados sob o peso dos nossos fardos e oprimidos sob o jugo de perversas escravidões. É um momento ímpar nessa conjuntura de sofrimento, uma oportunidade de aprendizagem, mas sobretudo de saudável descanso e recuperação das forças. Não é uma aula chata e abstrata, mas uma lição de vida essencialmente humana com qualidade divina. Aprenderemos que Deus não é difícil de se lidar nem tampouco um peso para suportar, mas é amor, paz e alegria. É um prazer cumprir sua vontade. Não é mais o olho emoldurado num triângulo feito câmara de videomonitoramento instalada para surpreender-nos em fragrante pecado, mas é o olhar do cuidado paterno e materno, que não perde de vista o filho pródigo, não se deixa aliciar pelas aparências e é atraído mais pelo trigo do que pelo joio. Não é o mercenário que se vende ao melhor comprador nem tampouco o dedo acusador apontado para nós, mas um coração misericordioso e dois braços abertos. Não vem para trazer uma ulterior carga de preceitos, obrigações e proibições, mas um abraço cheio de ternura, duas mãos para segurar e um peito sobre o qual descansar a vida até retomar o fôlego e a coragem. Não chega até nós para apresentar um novo catecismo, mas para prometer o conforto de viver. Bate à nossa porta para compartilhar conosco o pão do amor que todo coração aflito deseja ardentemente.
É o fim das velhas caricaturas de Deus. Jesus pode falar com autoridade porque conhece bem o Pai e revela tudo aquilo que sabe d’Ele. Nada de medo e desconfiança. O acesso a Ele está liberado, sobretudo para quem ainda não está ou não se sente em “regra”; não consegue conviver com suas fragilidades ou curar suas feridas; é oprimido/a sob peso de regras, obrigações e preocupações que oprimem a vida no lugar de libertá-la; preso/a em engrenagens institucionais que sufocam a ousadia da profecia; decepcionado/a com os fracassos; cansado/a de lutar à toa e sofrido pelas incompreensões e perseguições. Pequenos/as, pobres, excluídos/as, pecadores/as e oprimidos/as têm lugar preferencial no Seu coração.
Na Sua escola aprendemos que viver é amar e que a vida que se desenrola ao ritmo de um coração amante como Deus ama é um “jugo” leve e suave. Seu amor nos torna amáveis. Da comunhão com Ele saímos especialistas na arte da empatia e da compaixão. A contato com Ele, o nosso coração se torna manso e humilde. Manso porque não conhece o ódio e não dá espaço ao ressentimento. Mansidão não é sinônimo de fraqueza ou de covardia. Ao contrário, é uma virtude divina. Deus, mesmo sendo todo-poderoso, é manso: “Meu espírito é mais doce do que o mel” (Eclo 24,27). A mansidão está estritamente ligada com a fortaleza: só so fortes em Deus podem exercê-la. O seu princípio consiste em vencer o mal com o bem, a violência com a não violência, o ódio com o perdão. Humilde porque desdenha todo tipo de arrogância e assume o serviço como estilo de vida. Não tem nada a ver com humilhação, sumissão passiva, desvalorização de si mesmo/a… ´Humlhar-se é espoliar-se de si mesmo como fez Jesus (Fil 2). É o contrário do caminho da vaidade, do orgulho e do sucesso a qualquer preço que o mundo nos propõe.
Com Jesus aprendemos que a razão de tudo não são as conversas fiadas das ideologias, mas é o coração. O coração representa o ser humano em sua totalidade, é o núcleo original da pessoa humana, aquele que lhe dá unidade. O coração é o centro do nosso ser, a fonte da nossa personalidade, a principal razão das nossas atitudes e escolhas, o lugar da misteriosa ação de Deus (Rahner). É nele que devemos investir cada vez mais. A contemplação do Sagrado Coração de Jesus não é uma simples devoção messiânica e sentimentalista, mas um convite a fazer com que o nosso coração se torne um pouco mais parecido com o seu: aberto, literalmente dilacerado, disposto a amar até às últimas consequências. Quem é devoto do Coração de Jesus não pode cultivar o ódio, praticar a violência, fomentar os preconceitos, trancar-se no egoísmo, trincheirar-se atrás de seu orgulho, espalhar mentiras e permanecer insensível diante do sofrimento alheio. Quem contempla de coração aberto o Coração de Jesus não encontra nada disso. O desafio da devoção ao Coração de Jesus é a Sua imitação. Está em jogo a nossa vida, a nossa humanidade. Como diz o Apóstolo João, sem esse coração amante não somos nada. Se quisermos mudar o mundo, permaneçamos em Seu amor. A sobrevivência da humanidade está diretamente ligada à nossa união com Ele e entre nós, não como sub-jugados/as, mas como com-jugados/as, lado a lado, suportando-nos, isto é dando-nos suporte reciprocamente com aquela ternura combativa que pode mudar o mundo. Jesus, manso e humilde de Coração, torne o nosso coração semelhante ao Seu.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)