A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta e a mão que a pratica, é sempre uma derrota
Vidas de policiais importam. Sentimos muito e somos solidários com as famílias e as corporações quando alguém deles/as perde a vida no cumprimento de seu dever. Quem diz o contrário para desqualificar o trabalho dos militantes de direitos humanos mente e age de má fé. Vidas de policiais importam em primeiro lugar porque são vidas humanas, depois porque executam a importante missão de garantir o direito humano à segurança pública e a consolidação da paz na sociedade. Inimigos/as dos/as policiais são aqueles que querem transformá-los/as em máquinas de guerra, em justiceiros vingadores, em assassinos profissionais. Os/as inimigos/as dos policiais são os covardes que pretendem delegar-lhes a responsabilidade de dar vazão a seu desejo de vingança e a outros impulsos perversos, como o ódio e a violência. Policial é gente. E filho/a, pai e mãe, irmão/ã. Muitas vezes, é um/a cidadão/ã que vem de família humilde e comunidade pobre e periférica. Sabe o que significa a negação de direitos fundamentais, pois eles/as também passaram por esta experiência. Ganha mal e é submetido/a a uma rotina estressante. Sobre ele/a cai a responsabilidade das consequências da falta de políticas públicas. Frequenta uma igreja ou cultua uma religião. Tem valores. Comove-se diante de certas ocorrências. Sofre quando deve obedecer a ordens judiciais de despejo onde as famílias envolvidas são extremamente carentes. Arrisca-se para salvar vidas. É o/a primeiro/a a chegar quando um direito é violado. Sabe quanto vale a vida, mesmo de quem comete crimes. Faz tudo para preservá-la, porque sabe que a ocorrência da morte é sempre uma experiência que deixa um rastro de sofrimento, sobretudo quando atinge pessoas inocentes. Como padre, tive muitas vezes a oportunidade de ouvir em confissão policiais que, mesmo sabendo que as mortes resultantes de confronto, foram legítimas por causa da reação alheia, carregavam um sofrimento psíquico e espiritual muito grande, pois pelos valores em que acreditavam, queriam ter feito de tudo para não chegar àquele trágico desfecho. Por tudo isso somos gratos/as aos trabalhadores e trabalhadoras da segurança pública que merecem ser tratados/as com respeito pela comunidade e valorizados/as pelo poder público. É nesse contexto de cuidado que devem ser entendidas as nossas sugestões. O monitoramento externo das operações através das ouvidorias e das outras instituições fiscalizadoras, a instalação de câmeras corporais, a adoção de técnicas e medidas para evitar ao máximo a ocorrências de mortes, a apuração transparente das ocorrências duvidosas e a responsabilização de eventuais excessos não devem ser encaradas como desqualificação das polícias, mas como manifestações de cuidado. São medidas que servem para proteger os/as policiais de falsas acusações ou de colegas com desvio de conduta que mancham negativamente a história das corporações. Pertenço a uma instituição religiosa que tem uma belíssima história. É sofrido quando ela é colocada em discussão por causa de erros e escândalos cometidos por alguns de seus membros. Imagino que o mesmo acontece com a Polícia. O uso arbitrário da força, sobretudo quando acontece em reação à morte de um colega, acaba fazendo o jogo da criminalidade que lucra com a perca de confiança da população para com a polícia, sobretudo quando a violência atinge pessoas inocentes. Gandhi, profeta da não violência, dizia que “a violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta (e a mão que a pratica), é sempre uma derrota”. Não dá para considerar exitosas as operações que deixam para trás um rastro de morte e, junto com, ela, a dor, a raiva e, sobretudo o desejo de vingança, que é o combustível que mantém a chama da violência sempre em vida. “A paz é a única forma de nos sentirmos realmente humanos” (Albert Einstein) e ela não virá pelo poder de fogo, mas pela via do direito, da justiça e do cuidado com a vida.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)