“Ai de mim se eu não gritar.” É nosso pecado de omissão!
AI DE MIM SE EU NÃO GRITAR!
1. Início da cena
Tudo acontece no absoluto anonimato. O trecho do Evangelho de Marcos (7,31-37) que narra a cura de um homem surdo e mudo começa com um verbo sem sujeito: “trouxeram”. O evangelista Marcos não dá nenhum indício a respeito da autoria dessa ação. Nunca saberemos o nome do “homem surdo, que falava com dificuldade” e de quem o trouxe até Jesus. Esse anonimato é inquietante. Obriga os leitores a entrarem em cena. Os papeis estão à disposição de todos. É só dar o nome e escolher.
Assim, Marcos, mesmo não estando fisicamente presente, põe-se na cena como testemunha. A sua convivência com as testemunhas oculares o qualifica para essa função. Quanto a nós, cabem os dois papeis: ser trazidos até Jesus e trazer até Ele. Entre as duas ações tem uma relação inseparável, de causa e efeito.
2. Nós lá naquela ocasião: Gritar?
Por causa da nossa “função” corremos o risco de achar que somos só nós aqueles que, “por direito” e “por ofício”, “têm a moral e a autoridade” de trazer os outros até Jesus, mas, a cada dia que passa descobrimos que precisamos ser conduzidos até Jesus para ser “tocados” por Suas mãos e curados por Ele, a começar pelos ouvidos e a boca. Andamos surdos aos apelos de Deus e dos Pobres e, por consequência, estamos nos omitindo e emudecendo.
Esse processo de cura só começa se nos deixarmos acompanhar pelos empobrecidos que, mesmo sem dar-se conta, cuidam de nós trazendo-nos até Jesus. Não ao “nosso Senhor” assim como gostaríamos que fosse ou como é apresentado por visões manipuladas e distorcidas, mas até Jesus de Nazaré assim como se apresenta nos Evangelhos. Eles desafiam nossa coerência e nos obrigam ao confronto com o Seu Evangelho.
3. Resistências ao evangelho – Pecados
Não é fácil “afastar-se” das próprias convicções, das resistências e da tentação de “preservar” a própria vida a qualquer custo, para ficar a sós com o Mestre. Sua Palavra é exigente. Propõe escolhas radicais que exigem muita coragem. Suas mãos precisam de muito trabalho para modelar-nos segundo sua vontade. Antes de tudo é necessário que cure os nossos ouvidos, “porque o primeiro serviço a ser prestado a Deus e ao ser humano é a escuta. Quem não sabe escutar perde a palavra, torna-se mudo ou fala sem conseguir tocar o coração dos ouvintes… Só sabe falar quem sabe escutar…
Por isso, talvez a “afasia” da Igreja de hoje seja sintoma da nossa incapacidade de escutar Deus e as pessoas” (Ermes Ronchi), sobretudo aquelas obrigadas a viver à margem da dignidade humana. Se tivéssemos ouvidos abertos ao Evangelho já estaríamos gritando em alto e bom som há muito tempo contra as injustiças que ameaçam a vida dos pobres que “Deus escolheu para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que amam” (Tg 2,5).
4. Uma escolha vital, Ai de mim se eu não Gritar
Há quem diga que devemos atuar no silêncio e com humildade para não nos deixarmos manipular por projetos que não têm nada a ver com o Evangelho, mas todos gritamos quando alguém pisa em nosso calo e ameaça nossos direitos. Como também não tenho visto tanto pudor em defesa da “pureza” quando se trata de fazer aliança com os poderosos. Na minha opinião, soa como pecado de omissão não gritar junto com as pessoas que têm seus direitos negados e sua dignidade pisoteada. A injustiça, a fome, a miséria, a pandemia e a violência matam, mas também o silêncio mata. A omissão autoriza os maus a se tornarem cruéis. É hora de dar um basta. Ai de mim se eu não gritar.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano).