
Aliança em 10 pontos: combonianos-Brasil e povos indígenas
Ao concluir nosso retiro anual, em Fortaleza, CE, firmamos com o povo Pitaguary, uma aliança por uma ecologia integral e pela casa comum, na sequência do recente Sínodo da Amazônia que pede envolvimento e compromisso sério de todas e todos. Na iminência da publicação da Exortação apostólica do papa Francisco, decorrente do mesmo Sínodo, rezamos e nos preparamos para recebê-la “com fé e esperança, com inteligência e efetividade”, nas palavras do relator do Sínodo, o Card. Hummes.
Neto Witko, do povo Pitaguary
Na aldeia Pitaguary, o jovem indígena Neto Witko recebe o grupo dos Missionários Combonianos na igreja de Santo Antônio.
Pouco fora de Fortaleza, esta região vem sendo tradicionalmente habitada pelos indígenas Pitaguary, hoje cerca de cinco mil, organizados em quatro povoados, reivindicando a demarcação de sua terra, a valorização de sua identidade e a defesa do território.
Os contos da população local narram que Santo Antônio aparecia frequentemente numa gruta do território indígena. No mesmo território, há também a mangueira sagrada, “lugar de muito sofrimento” – comenta Carlinhos Pitaguary. É aos pés da mangueira que os indígenas costumavam reunir-se junto aos afrodescendentes da região. Uns sem terem ainda sua terra reconhecida; outros, arrancados violentamente de suas terras ancestrais.
Pe. Bernardino lê os termos da aliança
S. Juan Diego e Nª. Senhora de Guadalupe, modelos de inculturação
Na igreja de Santo Antônio existe uma “co-padroeira”, explica criativamente a coordenadora, Mara Araújo Pitaguary. É Nossa Senhora de Guadalupe, mãe dos povos indígenas, profecia revelada do diálogo entre culturas e religiões. Também, abaixo do Crucificado, está a imagem de Juan Diego, o primeiro santo indígena.
Os combonianos que atuam no nordeste do Brasil quiseram encerrar nesta igreja seu retiro anual. Um tempo de oração e meditação que não pode se distanciar da vida do povo, sobretudo no contexto sofrido que atravessa hoje nosso País. Nos mesmos dias, em reunião histórica, mais de 600 lideranças representantes de 47 etnias indígenas estavam se encontrando à beira do rio Xingu, na divisa entre Mato Grosso e Pará, para se posicionarem com força contra os planos do governo e das empresas extrativas que pretendem explorar suas terras.
À luz do Sínodo da Amazônia, um momento forte do retiro dos combonianos foi o resgate do legado ainda vivo e potente do Concílio Vaticano II. Nele, fizeram memória especialmente do Pacto das Catacumbas, compromisso de vários bispos em 1965 que assumiram um estilo de vida pessoal pobre e ao lado dos pobres. Partilharam, também, o renovado Pacto das Catacumbas para a Casa Comum, celebrado 54 anos depois, no mesmo local, pelos padres sinodais e muitas leigas e leigos, também indígenas, participantes ao Sínodo da Amazônia.
Ir. Chico D’Aiuto assina a aliança-compromisso
Meditaram os compromissos desta nova aliança com a Casa Comum e seus povos; sentiram a necessidade de assumi-los em primeira pessoa: palavras, convicções, propostas e denúncias só terão sentido e incidência se forem autênticas, concretamente vinculadas a um estilo de vida e de missão coerente e radical.
Empenharam-se em dez pistas de ação inspiradas pelo Sínodo e o carisma comboniano; fizeram questão de assinar seu pacto no território Pitaguary, por representar um dos contextos em que a missão precisa se encarnar e sempre se reinventar, na escuta dos povos originários.
Confiaram estas dez palavras à intercessão dos mártires, das catacumbas e das regiões mais remotas da Amazônia; entre eles, o comboniano pe. Ezequiel Ramin.
Apelam agora a todas as pessoas de boa vontade, para viver juntos, com coerência e radicalidade, este compromisso de evangelização, que é tornar presente o Reino de Deus no mundo.
O Pacto assinado é expresso nos 10 pontos que seguem:
- Encarnar, em nossas paróquias e presenças missionárias, uma Igreja profética e samaritana, na qual homens e mulheres leigos tenham um papel de liderança na diversidade e complementaridade de ministérios;
- Celebrar a fé, caminhando com o povo de Deus, em comunhão com toda a criação, vivendo a dimensão cósmica da celebração eucarística e avançando na inculturação da liturgia e da espiritualidade;
- Aprofundar o paradigma da Ecologia Integral, superando em nossa prática missionária o espírito de dominação sobre a natureza e as pessoas, favorecendo uma economia de relações justas e sustentáveis;
- Libertar nossas comunidades e práticas pastorais de todos os tipos de mentalidade colonialista, racista, patriarcal e exclusiva, valorizando a diversidade cultural;
- Assumir uma pastoral de estilo ecumênico e sinodal, presente no coração do povo, amiga dos pobres e muito próxima de suas vidas. Reinterpretar hoje o carisma comboniano do Bom Pastor “com cheiro de ovelha”;
- Colaborar para que as mulheres abram novos processos de protagonismo em nossas comunidades e na Igreja ;
- Assumir, diante da avalanche do consumismo, um estilo de vida alegremente sóbrio, simples e solidário com as pessoas que têm pouco ou nada;
- Reduzir o lixo e o uso de plástico, favorecer a produção e comercialização de produtos orgânicos, usar transporte público sempre que seja possível;
- Contribuir para que a igreja, em todo o mundo e em nossos países, assuma sua aliança com a Amazônia, e com todas as causas em defesa da vida, rejeitando um modelo econômico baseado na exploração desenfreada da natureza;
- Fazer memória viva dos mártires e assumir com eles e com os povos indígenas o compromisso de defender os territórios.
Urucum, amplamente utilizado na pintura corporal e na saúde