
Apóstolo Paulo: a coragem de doar-se com alegria (Atos 20,17-38)
O apóstolo Paulo é um missionário itinerante. Ele está sempre em movimento. Muda de um lugar ao outro para anunciar o Evangelho e fundar novas comunidades. De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos, a sua atividade missionária acontece ao longo de três viagens. No final da terceira, ele sente o desejo de encontrar os anciãos das comunidades da Ásia. Tem pressa. “Prisioneiro do Espírito” (Atos 20,22), deve ir para Jerusalém e de lá partir para Roma. Mas antes de dar esse passo, sabendo que não veria mais os membros das comunidades fundadas até agora, decide parar em Mileto, onde encontra os líderes das igrejas de Éfeso e dos povoados adjacentes. Durante a reunião, ele faz um discurso de despedida cheio de emoção, durante o qual instrui seus sucessores (Atos 20:17-38).
Não se trata de um “sermão moralista” ou de um debate sobre teóricos programas pastorais. Ele propõe seu exemplo. Não o faz por exibicionismo, mas para compartilhar o caminho por ele percorrido à imitação de Cristo. Não tem segredos. Sua vida é um livro aberto. Sua palavra é sufragada por seu testemunho. Todo mundo sabe como ele sempre agiu. Esteve sempre no meio do povo como quem serve e caminhou com todos/as, aberto a acolher as diferenças e atento às novas demandas. Nunca pensou em si mesmo. Ele deixou de lado seus planos pessoais e suas certezas para fundamentar sua vida na rocha do Evangelho. Sempre viveu a serviço do Senhor com humildade. Sofreu muito. Apanhou de todos os lados. Teve que enfrentar a desconfiança dos cristãos e a ira dos judeus revoltados com sua conversão, mas nunca se esquivou do dever de anunciar o Evangelho com o único objetivo de levar as pessoas a se arrependerem de seus pecados e a crerem em Jesus de Nazaré.
Chegou a hora de ir a Jerusalém sabendo que enfrentará severas perseguições. A ameaça de prisão pesa sobre ele, mas ele não dá mais valor à sua vida contanto que leve a bom término a sua carreira e realize o serviço que recebeu do Senhor Jesus, ou seja, testemunhar o Evangelho da Graça de Deus (20:24).
O desapego é difícil, mas necessário. Ele tem certeza de que nunca mais o verão, mas a missão não pode parar. Ele fez a sua parte. Agora cabe aos outros continuar o que ele começou. É bom ver a confiança de Paulo em seus sucessores. Há o risco de alguém se perder pelo caminho pela influência de lobos ferozes que não pouparão o rebanho, mas Paulo faz questão de dizer que a culpa não é sua, porque fez tudo para dar um testemunho autêntico do Evangelho. Cabe agora aos seus sucessores dar o bom exemplo. O testemunho pessoal e comunitário é a estratégia mais preciosa para anunciar o Evangelho e torná-lo crível. A Igreja precisa de sinais de misericórdia, amor desinteressado e generoso serviço e não de insígnias de poder e adereços que só servem para satisfazer a mania de ostentação
A partir da «cátedra» da sua experiência, Paulo transmite algumas instruções indispensáveis para um autêntico serviço à evangelização. O primeiro apelo é à vigilância. O/a missionário/a não dorme, não se poupa e nem se omite. Vela o tempo todo por todos/as aqueles/as que lhe são confiados/as, não como um patrão que controla a situação para melhor dominá-la, mas como o Bom Pastor que cuida de suas ovelhas e dá a vida por elas.
Se os poderosos do mundo gostam de dominá-lo, os discípulos de Jesus se distinguem por seu espírito de serviço. O/a missionário/a esquiva-se da mania da grandeza e da tentação do poder. Ele não é chamado para ser dono, mas um simples servo. O povo que é confiado aos seus cuidados pertence a Deus que o salvou doando a vida do Filho. É precioso. É inestimável. Deve ser tratado com respeito e ajudado a crescer na liberdade dos/as filhos/as de Deus. Manipulá-lo por interesses escusos, usá-lo para vantagem pessoal ou abusar de sua paciência para apaziguar a ânsia de poder de “religiosos/as” imaturos/as, complexados/as e maníacos/as de grandeza é um sacrilégio. O jarro de água, a bacia e o avental, como dizia o saudoso Dom Tonino Bello, são utensílios que nunca devem faltar em nossas comunidades. Merecem lugar de destaque em nossas igrejas. O lava-pés é um dos presentes que Jesus nos deixou em herança para nos lembrar que a melhor maneira de usar a própria vida é colocá-la a serviço dos/as outros/as.
Ai daqueles que usam a missão como cabide de emprego e usam o anúncio do Evangelho para acumular riquezas e vantagens pessoais. É motivo de escândalo o/a missionário/a apegado/a ao dinheiro ou, pior ainda, o/a preguiçoso/a que pesa no bolso dos fiéis e vive às custas da Palavra. Aqueles/as que são chamados/a a anunciar o Evangelho e coordenar uma comunidade cristã dão testemunho de pobreza. O/a missionário/a tem cuidado de não cair na tentação do mundanismo. Seu estilo de vida é sóbrio. O apóstolo Paulo nunca foi um peso para ninguém. Ele trabalhou duro para atender às suas necessidades. Seu serviço ao Evangelho sempre foi vivido em nome da gratuidade. Nunca exigiu nada em troca. Nos três anos em que conviveu com eles, consumiu-se por todos, seguindo o exemplo do Mestre que se doou por amor. É dessa gratuidade que brota a felicidade do missionário. Por fim, Paulo exorta seus sucessores a não buscar alianças com os poderosos e não se envolverem com pessoas importantes para obter privilégios, mas a terem atenção especial para com pobres e a os mais fracos, recordando as palavras do Senhor Jesus que disse: “Há mais alegria em doar do que em receber”. recordando.
Ao final do discurso de Paulo, os presentes se ajoelham e rezam por ele. Em seguida, o cercam e o abraçam chorando. Cenas como essa são comuns na vida do/a missionário/a. Toda despedida é sempre motivo de sofrimento. O tempo e a experiência não diminuem o dor da partida. Ao contrário, se torna ainda mais difícil com o passar dos anos. Não é fácil segurar a emoção e lidar com a saudade. É um misto de nostalgia e melancolia pelo desapego. Parece uma coisa ruim, mas é bom que isso aconteça na vida do/a missionário/a. Aqueles/as que não sentem nada é porque não amaram as pessoas e não se deixaram amar por aqueles/as com quem compartilharam a fé num trecho de suas vidas. Mas é bom que em algum momento o/a missionário/a se coloque de lado e saia para dar espaço à comunidade local. É um grande sinal de confiança nas pessoas chamadas a continuar a missão, mas é sobretudo a prova da gratuidade do serviço prestado. É evidente que esta despedida não pode se dar de maneira abrupta e sem uma preparação cuidadosa e, sobretudo, não deve acontecer se prejudica a comunidade. Existem serviços pastorais específicos com pessoas fragilizados que exigem tempo, qualificação e dedicação exclusiva para acontecerem adequadamente. É bom levar em conta estes aspetos no discernimento pastoral.
De qualquer forma é vale ressaltar que o/a missionário/a que tem a coragem de se doar com alegria jamais será esquecido/a. Seu nome, seu rosto e seu testemunho, mesmo que distantes fisicamente, sempre serão um importante ponto de referência para aqueles que permanecem.
(P. Xavier Paolillo, Missionário Comboniano)