As portas se fecham para Jesus e seus discípulos
O encerramento do trecho do Evangelho de hoje é verdadeiramente estranho: “Então a cidade toda saiu ao encontro de Jesus. Quando o viram, pediram-lhe que se retirasse da região deles” (Mt 8,34)”. O que aconteceu? O que Jesus aprontou para ser convidado a sair fora? Geralmente acabamos expulsando os baderneiros que perturbam a vida da comunidade, os vândalos que destroem o patrimônio privado e público, os que cometem crimes e constituem uma ameaça à paz… Mas Jesus não fez nada disso. A sua culpa foi se deixar aproximar por dois indivíduos sem nome próprio, conhecidos por rótulos carregados de preconceitos, que de noite viviam entre os mortos e vagavam de dia pelas ruas da cidade gritando, ferindo-se e agredindo. Eram pessoas atormentadas e tão desintegradas que não conseguiam nem pedir ajuda. Elas mesmas não acreditavam mais na própria libertação. Tinham assimilado a ideia de que já não tinham mais jeito. A própria presença de Jesus foi advertida como uma ameaça: “O que tens a ver conosco, Filho de Deus? Tu vieste aqui para nos atormentar antes do tempo?”. Rejeitados por todos, não conseguiam nem amar a si mesmos. Machucavam-se. Automutilavam-se. Eram reféns do mal que os afligia. Não tinham mais força para se livrar dele. Sabiam que a libertação de qualquer forma de escravidão tem sempre um preço. Custa caro. As imagens das cracolândias espalhadas pelo País afora retratam muito bem esta condição. O grito dos que sofrem incomoda. É melhor sufocá-lo do que atendê-lo. Ações como amarrar, algemar, prender e exterminar prevalecem sobre o cuidado. Jesus, porém, não conseguiu ficar indiferente a toda esta dor. Ele veio para atormentar o mal e libertar o ser humano daquela condição que nem animal merece. Para cumprir esta missão libertadora não mediu nem esforço nem gasto. Tomou a decisão de sacrificar uma manda de porcos, pois salvar vidas não é despesa, mas investimento. Vidas importam e, em nome, delas, precisamos estar dispostos a fazer qualquer sacrifício. Foi este o crime cometido por Jesus que lhe custou a expulsão da cidade. Paradoxalmente, as portas são fechadas para quem faz o bem, enquanto corruptos, interesseiros, exploradores, bajuladores, politiqueiros… são bem bem-vindos, têm trânsito livre por todos os poderes e tem acesso fácil a qualquer autoridade. Jesus é cortado fora por ter sacrificado uma “manda de porcos” para salvar dois seres considerados inúteis e desprezíveis. Gastar com pobre, “bandido”, drogado, morador de rua”.. é dinheiro perdido aos olhos da opinião pública. Sua presença e sua atuação foram suficientes para revelar em pouco tempo que a economia daquela cidade não estava a serviço o ser humano com suas necessidades e suas perspectivas.
Quão diferente é a economia de Deus que, para libertar uma só pessoa chega a aniquilar a si mesmo (Fl 2:5-11). Deus não se poupa para salvar a humanidade, ao contrário do mundo que prefere a economia da ganância, do lucro a qualquer custa, da exclusão e da morte, acreditando que pode encontrar a salvação na posse obsessiva de bens materiais que enchem a barriga, mas deixam o coração com fome de plenitude. E por isso que Jesus acaba sendo uma pessoa indesejada, hoje mais do que nunca. Revela o que anima muitas de nossas escolhas baseadas em critérios que contradizem o seu Evangelho. Um Jesus que desnuda com a sua presença e a sua obra a nossa hipocrisia, deve ser excluído até das nossas igrejas. É melhor que Jesus dique no céu revestido de glória e não dos farrapos da miséria dos pobres com quem faz questão de se identificar. Assim não incomoda nossos interesses. Afinal, negócio é negócio. O Evangelho é uma leitura dominical. Pena que cristãos/ãs estejam entrando nessa não por amor a Jesus, mas por medo de perder seus negócios com aqueles que se sentem incomodados com o Nazareno.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)