Auxílio do governo em dinheiro: Nem quarentena nem benefício
O Covid 19 não é Democrático. Não flagela todos do mesmo jeito. Os pobres pagam o preço mais alto. Além do risco do contágio e da fome, vem também a humilhação. O acesso ao auxílio em dinheiro não é fácil…
Muitos não conseguiram o dinheiro do beneficio.
1. Pandemia revela limites do Progresso
É inegável a tragédia que assola o mundo todo por causa da pandemia do covid 19. Trata-se da pior crise sanitária dos últimos cem anos. Do alto da “arrogância moderna” adquirida pelas importantes conquistas tecnológicas e científicas, presumíamos nunca mais passar pelas “pestes” do passado. Fomos “pegos de surpresa”. O progresso parecia garantir a “patente de imunidade”, pouco se importando da maneira predatória como vinha acontecendo e do alcance seletivo de seus beneficiários, deixando para trás a devastação do planeta, um saldo escandaloso de iniquidades socioeconômicas e a exclusão de uma parte considerável da população mundial. Achávamos que estas epidemias acometeriam somente as populações subdesenvolvidas, cujo sofrimento provocado por enfermidades devastadoras como o ebola é acompanhado pelo mundo do “andar de cima” com certa distância ou até com indiferença.
Afinal das contas “não tinha nada a ver conosco”. O Covid 19 teve início logo no coração dos centros econômicos e “ganhou” o mundo todo a partir dos polos de irradiação do “progresso”.
Se sua ação foi devastadora nos países ricos, dotados de melhores condições de atendimento e de resposta, não precisa de famosos analistas para prever a devastação que irá provocar nos países e nos bolsões de miséria historicamente empobrecidos, sistematicamente espoliados de seus recursos e perversamente mantidos à margem. Como sempre acontece, os mais ricos aprontam e quem paga a conta são sobretudo os mais pobres.
2. Brasil buscando enfrentar a pandemia
No Brasil a situação não é diferente. As iniquidades socioeconômicas agravam os efeitos da pandemia e potencializam o risco de contágio da população mais vulnerável. É cientificamente comprovado que a quarentena e o isolamento domiciliar são medidas determinantes para segurar a difusão do corona vírus. As autoridades que não perderam ainda a sanidade mental estão optando pelas medidas restritivas. Trata-se de uma decisão difícil e impopular, sobretudo para quem precisa trabalhar para sustentar a família. Mas é necessária. Afinal das contas o cuidado com a vida está acima de qualquer outra coisa. Como diz a sabedoria popular, os bens materiais se recuperam, a vida não. Portanto, o isolamento social, antes de ser um dever, é um direito que deve ser garantido a todos e todas.
3. Isolamento domiciliar para quem?
Mas, infelizmente, nem todo mundo tem direito ao isolamento domiciliar. O primeiro empecilho é falta de domicílio ou a sua precariedade. É necessário ter muita boa vontade e muita criatividade para cumprir isolamento social na rua, em habitações pequenas e insalubres ou debaixo de lona. Nas calçadas, nas periferias e nos acampamentos, famílias numerosas se amontoam em moradias sem as mínimas condições de habitabilidade. A situação torna-se ainda mais dramática em caso de fundamentada suspeita de contaminação. Como fazer a quarentena nas habitações onde há um único ambiente para todo mundo? Em alguns lugares foram criados abrigos para a quarentena dos contaminados assintomáticos ou com sintomas leves. Mas trata-se de experiências isoladas. É urgente multiplicar esta iniciativa, sobretudo onde há aglomerações estruturais. As famílias têm multiplicado o esforço para cumprir as determinações, mas, como sempre acontece no Brasil, a cobrança pelo cumprimento dos deveres chega sempre antes da garantia dos direitos.
4. Fome e Auxílio Emergencial
Um outro desafio é a fome. O Governo Federal, refém de uma visão míope e contrário ao isolamento social, se mobilizou tarde demais. O auxílio emergencial foi liberado somente quatro semanas após o início do isolamento social. Nesse intervalo foi determinante a ação de pessoas de boa vontade que desistiram do direito de cumprir o isolamento social para arrecadar e distribuir alimentos e produtos de higiene às pessoas mais vulneráveis. Estas ações emergenciais oriundas da solidariedade para compensar as falhas do poder público são indispensáveis para que os mais pobres permanecem em casa.
É urgente simplificar e viabilizar o acesso ao auxílio.
4.1 Liberação dos 600 reais
Mesmo após a liberação do auxílio emergencial, surgiram novos desafios. Na rua e nas periferias muitos não tem acesso à internet para fazer à inscrição, sem contar aqueles e aquelas que ou não sabem ler e escrever ou têm dificuldade para entender. Ainda uma vez pessoas da sociedade civil abriram mão de seu direito ao isolamento social para assistir estas pessoas e orientá-las. Nas ruas e nas periferias foram criados pontos de acesso à internet com a orientação de voluntários/as.
4.2 Isolamento ou Auxílio? – Nenhum dos 2!
Superado o desafio do cadastro, apareceu outro problema: muitas pessoas, mesmo com o reconhecimento do direito ao auxílio, não conseguiram sacar o dinheiro. Em plena quarentena, multidões de pobres tem sido obrigadas a sair de suas casas e enfrentar filas quilométricas para conseguir receber. Como cumprir quarentena nestas condições? É falta de bom senso por parte das autoridades complicar as coisas em plena pandemia e, pior ainda, beira a crueldade a postura dos banqueiros que, mesmo ganhando imensas fortunas às custas do povo, não estão fazendo investimentos para potencializar seus serviços presenciais em condições de segurança sanitária para seus funcionários e seus clientes. Não se pode imputar a Deus a culpa da pandemia como fazem fanáticos religiosos, mas vou pedir a Ele que impute aos administradores perversos, aos seus fanáticos apoiadores e às omissões de quem deveria dar um basta a tanta maldade a culpa pela dor dos mais pobres.
5. Futuro do Auxílio em dinheiro
Diante destes desafios, é necessário intervir logo. A saúde e a vida dos empobrecidos, historicamente comprometidas pelas iniquidades estruturais, não podem ficar à mercê, em plena pandemia, das brigas políticas, dos interesses de parte, das ciladas da burocracia, dos surtos neuróticos de alguns governantes, da propagação de mentiras e de posturas fanáticas e irracionais. Foi decretada a calamidade pública. É urgente simplificar os procedimentos para viabilizar o acesso da população mais pobre aos auxílios emergenciais. É uma forma de constrangimento ilegal o tratamento desumano que está sendo dispensado a pessoas humildes e um crime contra sua saúde ter que se expor à ameaça do contágio enfrentando filas intermináveis para conseguir sacar o dinheiro. Não é isso que acontece quando o governo socorre as grandes empresas e o bancos. Se não forem encontradas formas rápidas, satisfatórias e eficientes para garantir ao povo o acesso ao necessário para viver com dignidade durante o isolamento social, o povo vai voltar às ruas para encontrar formas de sobrevivência. Como disse um catador nestes dias, “apesar do risco do contágio, é muito mais digno catar sucata na rua
que ficar de pires na mão, sendo humilhado!”
Xavier Paolillo, comboniano em S. Rita-PB