Batismo e Identidade na cultura indígena Ka’apor e na tradição cristã
O brilho dos raios do sol atravessa como cintilantes as imponentes árvores de Xiepihurendá, aldeia dos indígenas Ka’apor do Maranhão, e anuncia o amanhecer imparável. É neste momento-chave, em um pátio repleto de pessoas, que um homem solenemente adornado abre espaço e se coloca no centro. Ele segura com profunda ternura em seus braços o pequeno corpo de um bebê recém-nascido, seu amado afilhado. O padrinho passara a noite inteira pensando no nome que lhe daria. Com assobios estridentes produzidos por um osso de falcão e com passos rítmicos, mas com o cuidado de quem tem um tesouro inestimável em suas mãos, levanta essa criaturina na direção do sol e grita seu nome a plenos pulmões. Os parentes do recém-nascido, animados, e toda a comunidade dominada por um entusiasmo indescritível gritam esse nome por sua vez, e o louvam como se fosse entrar, indelevelmente, no coração e na mente de cada um. É o ritual de nomear os “verdadeiros habitantes da floresta“, como eles se chamam. É o encantador Baptismo que eles reproduzem fielmente durante séculos e que, através do nome, revela publicamente o projeto pedagógico de vida atribuído a cada membro que nasce entre eles. Em geral, eles procuram em uma flor muito especial, uma planta, um pardal ou um animal aquelas qualidades, habilidades, valores que serão a base para educar e socializar o novo membro da família. Um Ka’apor sempre terá que tentar fazer justiça ao nome que lhe foi atribuído, porque indica sua missão de vida. A partir daqui, entendemos por que ainda hoje os índios Ka’apor ainda são batidos como “flores clandestinas” e cortados como “caça desconfortável” em seu próprio habitat. Caçadores, garimpeiros, traficantes de madeira valiosa e os novos e ricos plantadores regionais de soja e pastagens estão tentando interromper a “missão batismal” que receberam anteriormente.
João, o “batizador”, agia como um verdadeiro “padrinho-pedagogo Ka’apor” para aquelas multidões aparentemente desprovidas de identidade e sem esperança. O profeta infrator que não tinha o nome de família e que não tinha seguido os passos de seu pai, o sacerdote Zacarias, como a tradição estabeleceu, fez do deserto seu lugar de encontro com Deus. Já não no templo dos sacrifícios e das liturgias solenes, mas no “deserto fértil” da mudança radical do comportamento pessoal e social era preciso encontrar o Deus da terra prometida. Era como se Mateus, através do testemunho de João, convidasse a sua comunidade a atualizar na sua dura realidade o itinerário e a missão que era dos seus antepassados sempre em busca da “terra prometida, a terra sem mal“. João, como autêntico inconformista, não segue os rastros de gesso das instituições religiosas, mas repleto de fé na iminente intervenção divina, mantém a sua coerência e a sua liberdade interior. Ele não aceita nenhum patrocínio do “Palácio“, nem encarna o papel de tantos “caniços agitados pelo vento” de conveniência e que, ainda hoje, se transformam em porta-vozes formados por uma doutrina e uma elite sacerdotal desligada das pessoas comuns e seus problemas. Na realidade, o incómodo profeta denunciou que o deserto só existia no coração árido de tantas pessoas, estruturas e instituições incapazes de produzir verdadeiros frutos de justiça e transformação. Um deserto sistêmico, estéril e impermeável ao grito de socorro que ainda se ergue dos subúrbios urbanos caóticos e das favelas e palafitas desolados; campos de refugiados e aldeias saqueadas por índios e quilombolas; por miríades de mulheres violentadas no corpo e na dignidade; e de muitas fábricas clandestinas onde ainda funciona um exército de trabalho escravo de extorsão e chantagem moral.
“…E tu o chamarás de Yeshua, Deus salva, porque salvará o seu povo dos seus crimes”, disse o arauto a José” (Mt 1,23). Este foi o nome-missão que foi confiado desde o início ao filho do carpinteiro de Nazaré, mas apenas na perturbadora experiência do “deserto humano” denunciado por João – “Deus-é-misericórdia” – a mente e o coração de Jesus “abrem-se aos céus“, ao Deus que salva. Jesus, surpreendentemente, descobre sua missão e o significado do nome que carregava em sua inegável identificação com as denúncias e ameaças de João a um povo refratário à mudança. Jesus entra nessa fila de pessoas comuns e anônimas que estão ansiosas para nascer de novo e renascer. Afoga definitivamente nas águas do Jordão um passado de submissão à tradicional família-sinagoga e seus preceitos, para ressurgir em seguida como um homem novo, livre e portador de uma prática sem precedentes. Jesus sente-se definitivamente confirmado na sua nova consciência por um Deus que é o Pai compassivo e não um “deus irado e ameaçador”. Ele entende que não pode agir como João, esperando que pessoas desesperadas venham até ele, mas que ele terá que procurar e cuidar da ovelha perdida e protegê-la de lobos predadores de dignidade. Com Jesus a hora da graça chegou definitivamente. Uma oportunidade única para afastar a “desgraça” e fazer justiça ao nome que tinha “Deus-que-salva”!
Claudio Bombieri, Comboniano no Maranhão