
Conversão ao Deus da Misericórdia e do Cuidado
Conversão ao Deus da Misericórdia e do Cuidado
Jesus contou esta parábola: “Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou. Então disse ao vinhateiro: ‘Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?’
Ele, porém, respondeu: ‘Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás’”. (Lc 13,6-9)

Tragédia: Descarte de seres humanos
Ninguém gosta de ser cortado e jogado fora. A pior experiência de um ser humano é ser descartado. Parece algo de inacreditável, mas é fato. A cultura do descarte está impregnando as relações interpessoais e constitui uma ameaça real à vida de milhões de pessoas. Objeto de descarte, de fato, não são somente os alimentos ou as coisas supérfluas, mas também os seres humanos. “Partes da humanidade parecem sacrificáveis em benefício duma seleção que favorece a um setor humano digno de viver sem limites. No fundo, as pessoas já não são vistas como um valor primário a respeitar e tutelar, especialmente se são pobres ou deficientes, se ‘ainda não servem’ (como os nascituros) ou ‘já não servem’ (como os idosos)” (papa Francisco). A economia de mercado, alimentando a febre do consumo e apostando tudo na aparência, nos ensina a viver descartando o que nos incomoda, o que nos sobra, o que nos impede de ter mais e mais, inclusive as pessoas.
Se descartar é a opção em relação a quem “sobra”, pois “ocupa inutilmente a terra”, ainda pior é a solução proposta em relação a quem “não presta” e “só faz dano à terra”. Na lista entram todos aqueles que são rotulados como “escória da sociedade” pois, conforme a mentalidade comum, “não têm nenhuma chance de recuperação”. O jeito é cortar o “mal” e o “mau” pela raiz e jogá-los na fogueira.
Quem pensa assim chega a pensar isso de Deus. Imagina-O com a foice na mão pronto para fazer limpeza de quem não tem nada para oferecer. Vive com a esperança de poder contar com a Sua vingança. Acredita cegamente que o “mau” que consegue se safar nesta vida com certeza queimará no inferno na outra.
Qual Deus?
Mas Jesus mais vez busca corrigir essa imagem distorcida do Pai através desse diálogo imaginário entre o “deus vingativo e justiceiro” proposto por nós e o Deus vivo e verdadeiro que Ele nos revela nos panos de um agricultor apaixonado pelo seu trabalho. Enquanto o “deus” fruto da projeção dos sentimentos (des)humanos aparece com a foice na mão, o Deus cristão entra em cena com pá e adubo. O primeiro já perdeu a paciência e decide cortar a figueira estéril. O segundo, “armado de paciência, decide cuidar dela. O primeiro acha que a figueira não tem nada de bom para oferecer e que, portanto, não tem mais nada a fazer. É “descrente” no potencial humano, pois não confia nem mais em si mesmo. Prefere “matar” porque é incompetente na arte de “salvar”. O segundo acredita firmemente que através de um intenso investimento de amor vai conseguir tirar dele bons frutos. O primeiro faz questão de lembrar os três anos do passado e joga na cara tudo aquilo que diz de ter feito. O segundo pensa no futuro. Pede mais tempo. Solicita mais um ano. Não se trata de tempo quantitativo, controlado mediante o relógio, o calendário e a agenda, mas de tempo qualitativo, ritmado pelo amor, marcado pela esperança, enriquecido por oportunidades que tem a virtude de fazer crescer e transformar a vida. O ano que o Deus cristão oferece é o tempo da Graça, eterno quanto Ele, que não conhece a desistência, mas a ousadia de quem quer libertar/salvar o ser humano a qualquer custo, inclusive ao preço de seu sangue. Esse Deus não joga fora nada. Serve-se até do esterco para adubar a vida nova. Como costumamos usar o bem para fazer o mal, assim é possível aproveitar do mal para conhecer e tirar dele o bem maior: o amor misericordioso de Deus que vem continuamente em nosso auxílio com a Sua Graça. “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”, diz o apóstolo Paulo por experiência pessoal (Rm 5,20). “Ó feliz culpa, que mereceu tal e tão grande Redentor!”, cantamos na noite de Páscoa quando acendemos o círio, para indicar o que o Deus de Jesus Cristo é capaz de fazer por nós e conosco, qualquer que seja a nossa condição. Porque Deus, diz Carlos de Foucauld, “aceita todas as almas… as mais pobres, as mais indignas, as mais culpadas, as mais enlameadas, que se oferecem a Ele com um coração sincero… Ele aceita todas elas… Meu Deus, como você é bom!”
pe. Xavier Paolillo, comboniano