
Copa e caminhoneiros: O Brasil contra “Pão e circo”
Nossa situação real de gente com pé no chão está piorando cada dia mais, por mais que a grande mídia nos queira convencer do contrário. Não se deixe manipular em ano de eleições.
Pe. Dario Bossi, coordenador dos Combonianos no Brasil
Que direção você está buscando?
Outro dia estava num taxi. O taxista conduzia pelas ruas da cidade guiado pelas indicações seguras da voz eletrônica do Waze.
De repente, liga sua esposa: “Querido, vc está onde? – Não sei, estou no trânsito. Mas no trânsito onde? Sei lá, mulher, tô acompanhando as indicações do Waze, quando reconheço algum lugar lhe digo. Beijo!”
Enquanto batizados, qual gps estamos usando nós?!…
Nesse período, nossa vida e nossa sociedade se parecem bastante com esse taxista, não é?
Tá difícil saber onde estamos. Vivemos online, respondemos a indicações e percepções imediatas, mas perdemos maiores referências. Até perdemos a memória do caminho feito até aqui. Às vezes, nos sentimos reféns dos direcionamentos que vierem desde fora, de vozes eletrônicas que podem nos ajudar, mas também podem muito nos manipular…
Quando falamos de “sentido espiritual” da vida, entendemos isso: Quais são as referências para a gente não se perder? Que indicações deveria dar um cristão/ã em tempos de desorientação?
Como num cruzamento, as indicações devem ser claras e essenciais.
Gostaria de dar então três orientações para você não se perder. Valem mais que um Waze.
Primeiro: cada cristão/ã deve inspirar-se no Evangelho
É muito mais importante que as leis, as regras litúrgicas, o status ou o sucesso de nossa igreja.
Sim, dirão vocês, mas como é que – mesmo tendo o Evangelho como referência – ainda há tanta divisão, tantos pontos de vista diferentes e até críticas explícitas contra a Igreja e a CNBB?
Segundo ponto: o Evangelho precisa ser lido a partir dos pobres
É o “Princípio Misericórdia” – Papa Francisco na EG diz: “Existe uma ordem, uma hierarquia das verdades (…) O que conta é ‘a fé que atua pelo amor’ (Gal 5,6 …) A misericórdia é a maior de todas as virtudes”. (EG 37)
Em outras palavras, a proximidade aos pobres, para interpretar a vida a partir do ponto de vista deles: #solidariedade, igualdade, paixão, até indignação…
Um terceiro conselho: em comunidade
Esta para o Papa Francisco é uma das vias da santidade: “Estamos tão bombardeados que, se estivermos demasiado sozinhos, facilmente perdemos o sentido da realidade, a clareza interior, e sucumbimos”. “A santificação é um caminho comunitário” (GE 140).
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Nesse mês, então, vos deixo um compromisso, para sermos cristãos/ãs capazes de orientar nossa vida e a sociedade à luz do Evangelho: as rodas de conversa.
Já viu quando o celular está fora de área e o Waze não pega? Aí, não tem jeito: precisa baixar a janela do carro e começar a perguntar.
Da mesma forma, vamos abaixar a janela de nossas convicções seguras (às vezes tão pouco embasadas… acreditamos nelas só porque todos os nossos amigos as repetem…).
Vamos conversar mais entre nós, nas comunidades cristãs, nos grupos de rua, nos momentos de formação…
Podem se deixar ajudar por um texto recente da CNBB, ou uma análise social que acham instigante…
Se perguntem: Qual seria o ponto de vista dos pobres que leem o Evangelho? O que está acontecendo em nossa sociedade? Qual é a direção que os cristãos precisam tomar?
Monumento em New York, expressão da não violência
Pão e circo e violência
Os antigos romanos garantiam o controle e a submissão da população através de pão e circo: migalhas de benefícios pontuais para criar dependência de quem detém o poder; diversão para distrair e desviar o debate dos verdadeiros problemas.
Recentemente, outra tática foi adotada pelos poderosos: gerar medo, criar um inimigo comum, mesmo fictício, para desviar a atenção do povo. Nos últimos meses, a política no Brasil se fez cada vez mais violenta. Exemplos são a concentração de forças para o impeachment da presidenta Dilma, a prisão do ex-presidente Lula, até o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson e o atentado com armas de fogo ao acampamento dos movimentos sociais em Curitiba.
É legítima e muito importante a disputa de ideias e visões políticas, mas já se perdeu todo respeito pela vida e regras mínimas da democracia. O poder judiciário pode estar prendendo a democracia. O vínculo entre política e violência está se reforçando brutalmente. “O modo violento de se viver em sociedade no Brasil se dá por causa de alguns grupos que (…) acabam tornando alguns modelos fixos e sem alteração” (C. Fraternidade 2018, 58). Isto é, a violência é consequência de uma política voltada para a defesa dos privilégios de poucos em detrimento dos direitos dos mais fracos na sociedade.
“Existem hoje no Congresso Nacional parlamentares identificados com segmentos econômicos e sociais fortemente interessados em propostas potencialmente geradoras de violência. Defendem o uso de armas de fogo pela população civil, sustentando tratar-se de um direito natural” (CF, 60). Quando a violência se afirma como prática corriqueira do poder executivo, legislativo e judiciário, um vírus começa a tomar posse também das relações sociais cotidianas.
“Os discursos e atos de intolerância, de ódio e de violência, tanto nas redes sociais como em manifestações públicas, revelam uma polarização e uma radicalização que produzem posturas antidemocráticas, fechadas a toda possibilidade de diálogo e conciliação” (Mensagem da CNBB sobre as eleições, abril 2018).
Mais do que nunca, precisamos encarnar o Evangelho da não-violência: rever nossas posturas cotidianas, reeducar-nos ao diálogo e ao respeito das regras, desmascarar os interesses de quem está alimentando a violência, identificar pessoas e projetos políticos construtivos, fundados sobre a redução da desigualdade e a inclusão dos marginalizados.
Esse é o caminho que Maria, padroeira do Brasil, aponta quando sonha dispersar os soberbos, derrubar os poderosos e saciar a fome de pão e justiça dos pobres.
Fotos: pixabay, Sem Fronteiras – Arquivo Comboniano