Da expulsão de 1964 ao deslocamento de 2024
Pe. Jorge Carlos Naranjo Alcaide, comboniano no Sudão
A história dos Missionários Combonianos no Sudão é marcada por acontecimentos violentos que ameaçaram a continuidade da sua presença no país. A primeira foi a revolução de Mohamed Ahmed Al-Mahdi, iniciada imediatamente após a morte de São Daniel Comboni, em 1881. Os primeiros missionários foram feitos prisioneiros em Dilling e El Obeid e conduzidos para Omdurman, de onde alguns conseguiram escapar. Alguns outros haviam sido evacuados com parte da comunidade cristã recém-nascida antes da chegada das tropas mahdistas a Cartum em 1885 e estabeleceram uma nova presença na Ilha de Zamalek (Cairo), a colônia antiescravagista de Leão XIII. O mesmo lugar tornou-se, com o passar do tempo, o local de uma escola dirigida pelas Irmãs Missionárias Combonianas, um Pontifício Instituto para o Árabe que treina missionários para ministrar em países de maioria islâmica e uma Paróquia, ambas dirigidas pelos Missionários Combonianos.
A maior parte do exército Mahdista era composta por membros da etnia Ta’aisha. Este pertence à confederação das etnias Baggara. Na verdade, seu líder, Abdullah tornou-se o sucessor de Mohamed Ahmed Al-Mahdi após a morte deste em 1885. Durante o seu governo, a presença dos Missionários Combonianos no Sudão reduziu-se aos prisioneiros que sobreviveram no bairro de Masalma (Omdurman) até escaparem no final de 1891.
Um ano após a derrota do Khalifa Abullah pelo exército britânico, os missionários foram admitidos de volta ao país. Os Missionários Combonianos espalharam-se pelo país, particularmente no Sul, habitado por diferentes povos negros africanos. A partir de 1919, a autoridade colonial britânica realizou políticas separadas para o Norte, ocupado principalmente por crentes muçulmanos e falantes de árabe, e para o Sul. A chamada Política do Sul, em vigor até 1946, visava eliminar qualquer tipo de influência árabe-islâmica e desenvolver as culturas locais no Sul.
Os Missionários Combonianos também desenvolveram dois modelos missionários diferentes em cada área do país. Mas em 1946 o governo colonial abandonou a política de governo separado e começou a unificar as políticas administrativas e educacionais no Norte e no Sul. Essa unificação, impulsionada pelas elites do norte, significou uma tentativa de arabização e, mais tarde, também de islamização do sul.
A expulsão de 1964 e as consequências
Em julho de 1956, o Ministro da Educação do recém-independente Sudão, ʿUthmān Ziada Arbāb, anunciou que o governo iria “assumir” as escolas dos missionários no Sul. Em 1960 essas escolas passaram a estar sob a jurisdição do Ministério da Educação que estabeleceu para elas os mesmos currículos que vigoravam no Norte.
Enquanto no Norte o trabalho educativo dos missionários era apreciado e considerado positivo, no Sul estava associado ao empoderamento de pessoas que resistiam à imposição de uma identidade estrangeira construída sobre os pilares do Islã e da cultura árabe.
Em 27 de fevereiro de 1964, o Conselho de Ministros do Sudão emitiu o decreto de expulsão de todos os missionários estrangeiros presentes nas três províncias do Sudão do Sul: Juba, Wau e Malakal. A decisão envolveu cerca de 300 missionários. 154 Irmãs Combonianas e 104 Missionários Combonianos tiveram de abandonar o país sob a acusação de terem “interferido nos assuntos sudaneses” e introduzido no Sul uma civilização e cultura diferentes da sudanesa.
Naquela época, ainda vigorava o sistema jus missionaris, pelo qual o Instituto ao qual a missão foi confiada deveria prover os recursos humanos e financeiros, bem como orientar e organizar a pastoral da evangelização. A expulsão foi um trauma tanto para os que haviam sido expulsos quanto para as comunidades cristãs que permaneceram praticamente abandonadas.
Para acompanhar os refugiados gerados pela Primeira Guerra Civil (1955-1972) nos países vizinhos, os Missionários Combonianos abriram novas presenças no Congo, na África Central e no Chade. Além disso, abriram missões no Togo, Uganda, Etiópia e outros países.
Como a perseguição às primeiras comunidades cristãs trouxe a propagação do Evangelho por todo o Império Roma, a expulsão dos missionários do sul do Sudão significou a disseminação do carisma por muitos outros países.
A guerra em curso
Após o início da atual guerra em abril de 2023, os Missionários Combonianos foram obrigados a deixar as suas comunidades em Cartum, Omdurman e Bahri porque se localizavam em áreas que se tornaram campos de batalha. No entanto, eles ainda estão presentes em Port Sudan, Kosti e El Obeid, juntamente com as comunidades que agora acolhem milhares de pessoas deslocadas. O cuidado com os deslocados internos e o apoio à evacuação de centenas de pessoas que ficaram presas em áreas de guerra tornaram-se uma nova tarefa para as três comunidades.
A nova situação obrigou as restantes comunidades a remodelarem o seu serviço missionário, uma vez que, por exemplo, as escolas não podem continuar o ano letivo.
Em Port Sudan, os cursos noturnos de Inglês, Espanhol e Noções Básicas de Informática organizados pela Escola Secundária aumentaram muito o número de alunos, pois é uma das poucas possibilidades de receber qualquer tipo de educação. Esses cursos, que antes da guerra eram destinados ao desenvolvimento dos adultos, agora reúnem crianças e pais nas dependências da escola todas as tardes.
O Colégio Universitário, Colégio Comboniano de Ciência e Tecnologia, que estava localizado em Cartum, funciona agora a partir da mesma Escola Secundária em Port Sudan. 210 alunos continuam suas atividades acadêmicas por meio de um Sistema de Gestão de Aprendizagem on-line gerenciado a partir de seu novo escritório. O Departamento de Enfermagem realiza atividades de capacitação com Profissionais de Saúde e voluntários da comunidade na área de Cuidados Paliativos.
O mesmo departamento está agora preparando um programa de treinamento para desenvolver habilidades de enfermagem na comunidade, já que o sistema de saúde local não tem capacidade para gerenciar a enorme onda de pessoas deslocadas.
Deste modo, os Missionários Combonianos continuam a anunciar a boa nova do Evangelho num país dilacerado por uma terrível guerra através do serviço nas paróquias, da educação e da saúde. Por outro lado, a diminuição das comunidades no Sudão ajudou a província a enviar alguns membros para estudos mais aprofundados tendo em vista os serviços futuros na província, atendeu a algumas necessidades no Egito e iniciou um caminho de discernimento sobre uma nova presença nas Montanhas Nuba, que é uma região do Sudão que foi dilacerada pela guerra no passado, mas que agora é bastante segura e está livre da batalha entre as ‘Forças de Apoio Rápido’ e as ‘Forças Armadas do Sudão’.