Damos uma Força ao Dia para que Possa Nascer de Novo!
“O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim!” (Is 49,14). Estas palavras têm uma dramática atualidade e parecem escritas para nós. Em tempos de ódio, violência e guerra, surgem com frequência desmesurada, como uma interminável ladainha de desespero. Elas pertencem a uma seção do livro do profeta Isaías que os exegetas chamam de Segundo Isaías (cc. 40-49), atribuída a um profeta anônimo que Deus fez surgir durante o exílio em Babilônia, com a missão de manter viva a esperança dos exiliados.
“Onde anda Deus no meio de tudo isso?”. O texto bíblico traz uma consolação: Deus ouve a súplica de seu povo e a atende. “Eu atendo teus pedidos com favores e te ajudo na obra de salvação” (Is 49,8). Nunca nos abandona, consola-nos, compadece-se de nós e está sempre pronto a nos sustentar, mas não o faz sozinho. Ele conta com a colaboração humana: “Preservei-te para seres elo de aliança entre os povos, para restaurar a terra, para distribuir a herança dispersa; para dizer aos que estão presos: ‘Saí!’, e aos que estão nas trevas: ‘Mostrai-vos!’” (Is 49,8-15).
Quem é este “tu” preservado por Deus para ser seu colaborador na missão de paz? A identidade deste personagem permanece anônima e misteriosa. Uns dizem que é o próprio profeta, chamado a ser luz das nações e a propagar a salvação do Senhor até os confins do mundo (Is 49,6). Outros acreditam que se trate do “resto de Israel”, encarregado de levar adiante o projeto salvífico de Deus. Deixo essa discussão para os especialistas. O que é certo é que hoje essa palavra é dirigida a mim, a você e às nossas comunidades. A tempestade está formada e não é brincadeira. Como pretendemos atravessá-la? Podemos nos unir ao coro dos pessimistas, desesperados e derrotistas, lamentando nossos fracassos, mas isso não ajudará em nada. Pelo contrário, piorará a situação. Enquanto choramos, o barco afunda. Precisamos reagir. Deus nos propõe uma missão: sermos elos de aliança entre ele e o povo, entre as nações, restaurar a terra, distribuir a herança perdida, libertar os aprisionados e apontar a luz para quem está nas trevas. Assim como nos tempos do exílio, o momento presente precisa de nós para sermos luz das nações, construtores de pontes, fomentadores de processos de libertação, elos de fraternidade e amizade social, missionários e missionárias da esperança. Juntos com ele e unidos entre nós, podemos sair dessa. Não é uma missão fácil. O texto bíblico enfatiza seu aspecto doloroso e fatigante (Is 49,4). A desproporção entre a dureza da luta e a fragilidade dos resultados é grande. Mas não devemos desanimar. A nós é dada a função de semear. Outros terão a alegria de recolher os frutos. A história é mestra de resiliência. Não é a primeira vez que a humanidade enfrenta tempestades dessa gravidade. Lembro-me de quando, durante minha infância, meus avós e pais falavam da Segunda Guerra Mundial. No meio de tamanha tragédia, a cada bombardeio, sobretudo quando as bombas se tornaram atômicas, achavam que seria o fim da humanidade. Mas não foi assim. Mesmo no meio de tamanha desgraça, nunca faltaram biografias luminosas, como pessoas que se prodigaram para garantir alimento a quem passava fome ou que se prontificaram a ser fuziladas pelos nazistas em lugar de outras. Em nome de todas estas pessoas, faço memória de São Maximiliano Kolbe, frei franciscano que, no inferno do campo de extermínio de Auschwitz, deu a própria vida para salvar a de um pai de família. Em todas as tramas dramáticas, sempre houve homens e mulheres que aceitaram o convite de Deus e escreveram, com suas vidas, páginas de fé, caridade e esperança. Aos santos e santas canonizados pela Igreja, somam-se as multidões de pessoas que, no escondimento, refrescaram a dura jornada da humanidade com o orvalho do amor e da esperança.
“Cadê Deus?”, é a pergunta mais recorrente nos momentos de crise. Deus está, somos nós que não estamos presentes com a qualidade do seu amor. Ele “consegue estar presente” se não estivermos como fermento, sal e luz do mundo. A percepção de Sua presença só se torna possível se a acolhermos na tenda de nossas vidas. Ele anda com nossas pernas, age com nossas mãos, acolhe entre os nossos braços, consola com nossas palavras e ama com nosso coração. Deixemos que Ele aja hoje por nós.
Mas não acaba por aqui. Deus escolhe logo um contexto trágico para fazer duas revelações surpreendentes: “Acaso pode a mãe esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, nunca me esquecerei de ti” (Is 49,15).
A primeira revelação soa como escandalosa, mas é maravilhosa. Ele é mãe além de ser pai. Causa um doloroso frêmito em suas entranhas tudo aquilo que pode trazer dano a seus filhos e filhas, do mesmo jeito como uma mãe é remexida em seu ventre pelo pranto do filho ou filha que gerou. A quem se sente abandonado, Deus oferece seu colo materno.
A segunda revelação é contida num advérbio: nunca. Nos nossos lábios, essa palavrinha é difícil de pronunciar, mas na boca de Deus traz consigo a incomensurável grandeza da Sua fidelidade, da indissolubilidade de Seu amor e da eternidade de suas promessas. Ele, aconteça o que acontecer, nunca vai esquecer de nós.
Portanto, amparados pelo amor paterno e materno de Deus e fortalecidos pela certeza de poder contar sempre com Ele, tenhamos a coragem de ousar, de irmos para frente, acreditando na luz e doando luz. Fecundados pelo Espírito, geremos e doemos esperança. Como dizia Raoul Follereau, “Damos uma força ao dia para que possa nascer de novo!”. E será festa. Eu acredito nisso.
(Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)