
De volta para a Comunidade
A viagem de volta para casa dos dois discípulos de Emaus com o coração frustrado pelo aparente fracasso da missão de Jesus, é um dos episódios mais famosos e conhecidos do evangelista Lucas. Trata-se de um texto precioso e atual, porque, além de retratar a nossa dificuldade de viver a alegria da Ressurreição de Jesus em tempos tão sombrios como os nossos, responde às perguntas mais importantes e insistentes de nossa caminhada: onde podemos encontrar hoje o Senhor ressuscitado e como podemos reconhecê-lo? É um desafio que diz respeito aos/às discípulos/as de todos os tempos. Não é por acaso que os discípulos a caminho de Emaús são dois e que apenas um deles é nomeado: Cleopas. O outro permanece anônimo, sem nome, como que para constituir um convite discreto a cada um/a de nós para se identificar com ele. Poderíamos dizer que Cleopas é o discípulo contemporâneo dos eventos pascais, enquanto o discípulo sem nome somos nós que trilhamos o mesmo caminho (pe. Ferdinando Bergamelli). A situação é dramática. A análise de conjuntura que eles compartilham com Jesus é desesperadora. “Esperávamos” é a palavra mais sombria de todo o Novo Testamento. É contra-anúncio. Aborta a esperança logo quando é dada à luz pelo Ressuscitado. É um atestado de resignação e desistência diante da cultura da morte como se a pedra pesada colocada por ela em cima de Jesus e seu Evangelho não tivesse sido arrancada. Mas não está tudo perdido. Apesar do sofrimento da frustração, Cleopas e o outro discípulo não perdem a dimensão comunitária. Mesmo, sem andam “em marcha ré”, caminham juntos. Todos os verbos usados em sua narração são conjugados ao plural. Há uma enxurrada de “nós” e “nosso”, sem deixar espaço ao “eu’ e “meu”. Num contexto de individualismo, egoísmo, personalismo e auto referencialidade como o nosso, esse espírito comunitário ressoa como trilha sonora necessária na nossa caminhada. Mesmo nos momentos difíceis, não há espaço para aventuras solitárias. A comunidade é o espaço ideal para o encontro com o ressuscitado. Quem não estiver junto/a vai ter dificuldade em acreditar como veremos com Tomás. O mais bonito ainda é constara é uma comunidade de portas abertas, que não tem medo do outro, mesmo se desconhecido. Não esqueçamos que até a partilha do pão, Jesus resta um viandante desconhecido, mas mesmo assim os dois o convidam para a ceia. É nesse contexto de amor que se dá o reconhecimento do Ressuscitado. O ápice desta comunhão é a celebração da Eucaristia, que constitui o pano de fundo de toda a narração. Atrás desta história dá para ver em contraluz a experiência das primeiras comunidades cristãs que se reuniam para a Ceia do Senhor. Não se tratava de um simples rito, mas da vivência daquilo que era celebrado. Precisamos resgatar isso. Como aconteceu com os discípulos de Emaus, isto é, aos/às primeiros/as cristãos/ãs, também nós chegamos à celebração da Eucaristia com as nossas preocupações, dificuldades, frustrações, decepções, derrotas e corações partidos. O primeiro conforto vem da Palavra, mas faz-se necessária que seja interpretada à luz de Jesus de Nazaré. É Ele que deve explicá-la, pois sem essa referência, perde seu verdadeiro sentido e, pior de tudo, pode ser manipulada a serviço de interesses escusos, que não têm nada a ver com a vontade de Jesus. Toda a Escritura fala dele. Sem a sua Palavra somos cegos e incapazes de reconhecê-lo, mesmo que Ele caminhe ao nosso lado como companheiro de viagem. Mas se ele nos explica as escrituras, nosso coração começa a arder e nossos olhos se abrem. Jesus re-cor-da-nos (traz de volta ao nosso coração) duas palavras importantes que muitas vezes esquecemos: cruz e glória (per crucem ad lucem). É a compreensão da necessidade da Cruz, que por sua vez leva à Ressurreição! Não se trata de exaltar o sofrimento, mas de sublinhar o amor até às últimas consequência, pois é este Amor a fonte da vida plena. Depois vem a segunda parte da Missa, a liturgia da Eucaristia. E, de fato, o ato que «abre os olhos» dos dois discípulos é a fracção do pão, gesto que conduz de volta a Jesus terreno, à Ceia, na qual Ele parte o pão e o distribui; mas conduz também ao «tempo da Igreja, no qual os cristãos continuarão a «partir o pão». A fracção do pão é um gesto que resume toda a vida de Jesus, explica bem seu sentido, revela a identidade permanente do Senhor: de Jesus terreno, do Ressuscitado e do Senhor hoje presente na Comunidade. Uma vez reconhecido, o Senhor escapa da mania de possui-lo e desaparece da nossa frente. Mas agora mesmo o segundo discípulo “sem nome” sabe bem quais são os traços essenciais que identificam a sua presença e sabe como encontrá-lo no seu caminho! (pe. Ferdinando Bergamelli). É por isso que voltam à comunidade para partilhar tudo aquilo que vivenciaram, pois o amor fraterno é melhor maneira para derrotar a morte..
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)