
Deus é Pai e Mãe
No Antigo Testamento já se dizia isso, mas a expressão tinha um significado simbólico. Queria dizer que Ele se comportava como um pai. Com Jesus o símbolo se torna realidade. Deus é realmente seu pai. É o Abbá, o papai, diminuitivo carinhoso com que as crianças se dirigem. à pessoa que lhes deu a vida. O bom é que, sendo Jesus nosso irmão, Deus não é só seu pai, e sim também o nosso pai, de cada um e cada uma de nós que formamos a sua família na qual seu Filho unigênito é o primogênito. Todo o Novo Testamento é revelação deste mistério de salvação. É interessante reparar que esta revelação surpreendente não acontece num tribunal ou numa faculdade de teologia, através de uma decisão judicial ou de um dogma, mas por meio da oração. A oração, portanto, é o contexto melhor para o reconhecimento da paternidade da Deus e da nossa condição filial. Ela, de fato, não é um balcão de negócios. Não é uma competição para ver quem fala mais, mais alto e mais bonito. Que chato aguentar os ataques de logorreia de alguns (des)animadores de encontros de oração. Não serve para pedir coisas, mas para ser transformados/as. É a oportunidade que damos a Deus de se apresentar assim como Ele é, de mostrar seu rosto, de revelar sua vontade, de fazer conhecer sua maneira de pensar e agir para que nos conformemos a Ele. Pois, se é verdade que Ele sabe tudo de nós e do que precisamos, nós, ao contrário, sabemos pouco ou nada a respeito dele ou o conhecemos de maneira distorcida. O jeito que Deus tem para se revelar a nós é a amando-nos com Pai. Portanto, a oração é deixar-se amar por Deus reconhecido como Abba, papai. É o momento do encontro/reencontro entre Pai e filho/a. É, antes de qualquer conversa, o prazer de estarmos juntos/as com Ele, estritamente abraçados/as, abandonados/as com absoluta confiança sabendo que estamos protegidos/as, mesmo se os acontecimentos da vida, sobretudo aqueles adversos, nos levam a pensar o contrário. É evidente, como diz a nota da Edição Ave Maria da Bíblia, que “embora, em razão de sua cultura patriarcal, os evangelistas não se atrevem a chamar Deus de ‘mãe’, na atualidade nós, já livres desses condicionamentos culturais, não expressaríamos toda a dimensão e nossa relação filial com Deus se não nos dirigíssemos a Ele como Pai/Mãe nosso que estais no Céu, ou simplesmente ‘Pai-Mãe Deus’”. Quando essa experiência acontece, a primeira coisa que dá vontade de pedir é que a sua paternidade-maternidade se faça presente eficazmente no mundo todo. A santificação de Seu nome, a vinda definitiva de Seu Reino e o cumprimento de Sua vontade são pedidos que expressam o desejo de que este amor tão bom seja proporcionado a toda a humanidade, sobretudo a quem não o experimenta nas relações humanas, inclusive dentro da própria casa.
Ao descobrirmos e reconhecermos nossa condição filial fica natural o reconhecimento da dimensão fraterna. A relação com os/as outros/as muda radicalmente. Até a linguagem adquire as dimensões da pluralidade, da comunhão e da partilha. Do “eu” se passa ao “nós”. E o “meu” cede espaço ao “nosso”. A oração deixa de ser a busca obsessiva dos próprios interesses em nome do bem comum, a começar pelo essencial para a vida: garantir o pão (material, espiritual, afetivo… ) em todas as mesas. A oração do Pai Nosso nos proíbe de pedir apenas por nós mesmos: “o pão para mim é um fato material, o pão para o meu irmão/ã é um empenho espiritual” (N. Berdiaev). É a pior negação da paternidade/maternidade de Deus permitir, por egoísmo ou omissão, que os nossos irmãos e irmãs não tenham o necessário para viver com dignidade.
Não dá, também, para ficarmos de cara fechada, remoendo o tempo todo os erros do passado ou o mal que os outros nos fazem. O rancor mina as relações fraternas. É a antecâmara do ódio e da violência. A consciência de pertencimento à mesma família exige que peçamos o dom do perdão para nós mesmos e que o recebamos e o doemos também aos outros. Sem perdão deixamos de ser família de Deus e nos tornamos cria do “maligno” que gosta de semear encrencas e divisões. Trata-se de arrancar a bola de pedra que prende o pé no passado e soltar as velas da vida rumo ao novo futuro carregado de esperança.
Enfim, ao Pai/Mãe pedimos algo que é parte inerente da missão da paternidade e da maternidade: a proteção do mal e o apoio necessário para conseguir sair das ciladas das tentações que nos arrastam para a perdição. É bom saber que podemos contar com um Deus que não nos abandona, mesmo quando enveredamos por caminhos errados.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)