Deus não precisa de vasos de ouro, mas de almas que sejam de ouro
“Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não o desprezes nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem o honres no templo com vestes de seda, enquanto o abandonas lá fora ao frio e à nudez. Aquele que disse: «Isto é o meu Corpo» (Mt 26,26), e o realizou ao dizê-lo, é o mesmo que disse: «Porque tive fome e não me destes de comer» (Mt 25,35); e também: «Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a Mim que o deixastes de fazer» (Mt 25,42.45). Aqui, o Corpo de Cristo não necessita de vestes, mas de almas puras. […] Deus não precisa de vasos de ouro, mas de almas que sejam de ouro.
Não vos digo isto para vos impedir de fazer doações religiosas, mas defendo que simultaneamente, e mesmo antes, se deve dar esmola. […] Que proveito resulta de a mesa de Cristo estar coberta de taças de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Sacia primeiro o faminto, e depois adornarás o seu altar com o que sobrar. Fazes um cálice de ouro e não dás «um copo de água fresca» (Mt 10,42)? […] Pensa que se trata de Cristo, que é Ele que parte errante, estrangeiro, sem abrigo; e tu, que não o acolheste, ornamentas a calçada, as paredes e os capitéis das colunas, prendes com correntes de prata as lamparinas, e a Ele, que está preso com grilhões no cárcere, nem sequer vais visitá-Lo? […] Não te digo isto para te impedir de tal generosidade, mas exorto-te a que a acompanhes ou a faças preceder de outros atos de beneficência. […] Por conseguinte, enquanto adornas a casa do Senhor, não deixes o teu irmão na miséria, pois ele é um templo e de todos o mais precioso”.
Antes que alguém desconfie que se trate de um texto de um “padre comunista” (porque hoje em dia está de moda este tipo de comentário descabido), apresso-me a esclarecer que se trata de um trecho de um sermão de São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja, que nasceu em Antioquia, na Síria, em 309 e faleceu no dia 14 de setembro de 401. Foi apelidado de “boca de ouro”, pelo dom da oratória que colocou a serviço da pregação do Evangelho. Suas palavras explicam bem a página do Evangelho de Mateus (25,31-46) conhecida como “O juízo final”. Talvez seja o texto mais indigesto, pois, diante do exame de consciência proposto por Deus, caem por terra as nossas maneiras equivocadas de praticar a fé cristã.
O Senhor se identifica com as pessoas denudadas, doentes, famintas, sedentas, obrigadas a abandonar suas terras em busca de melhores condições de vida. O seu rosto está estampado em todos os semblantes dolorosos. O nosso destino depende da atitude que temos para com os necessitados com quem convivemos durante a nossa experiência terrena. No fim da nossa vida terrena, a Sua cobrança será em cima da nossa postura para com elas. Mas não é tudo. Identifica-se também com as pessoas privadas de liberdade. Cobrará de nós se as visitamos sem fazer distinção entre aquelas que são inocentes e, portanto, injustamente detidas e aquelas que estão cumprindo sua sentença pelos crimes que efetivamente cometeram. Esta, talvez, seja a provocação mais forte, mais escandalosa e a mais difícil de executar. Hoje em dia, inclusive, é o serviço pastoral mais descuidado dentro da Igreja. As pessoas que se dedicam a isso são poucas e, quase sempre, em idade avançada. Além do mais, são marginalizadas dentro das próprias comunidades. Quantos, mesmo entre os “bons cristãos”, além de não visitar os presídios, preferem que se tornem a antecâmara do inferno e, na maioria dos casos, infelizmente, são? Quantos criticam e até criminalizam as pessoas que prestam este serviço? Quantos gostariam mudar as leis para impedir a realização destas visitas, sobretudo quando a assistência religiosa, direito garantido na Constituição Federal, não se limita somente ao anúncio da Palavra, mas se preocupa com as condições dos apenados? Quantas pessoas também criticam o Papa quando ele faz questão de visitar as unidades prisionais? As palavras de Jesus são demasiadamente claras, concretas e desarmantes. A visita aos/às apenados/as é uma das formas mais alta de Caridade, pois exige uma grande fé em Deus e no ser humano. Além de ser gratuita, é “desmerecida” aos olhos dos/as preconceituosos/as. Portanto, é uma Caridade absolutamente divina. Bem-aventurados/as aqueles/as que conseguem praticá-la. As comunidades deveriam valorizar mais estas importantes reservas de amor, sobretudo neste contexto de ódio e de violência.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)