Deus no discurso político brasileiro: “DEUS ACIMA DE TODOS”
O “mito” (leia-se presidente) abusa do nome de Deus: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Usa o nome de Deus em vão, profanando o Ser de Deus. Coloca Deus ao lado do ódio, da violência, da tortura, de ameaças, mentiras. Mas… que ‘deus’ é esse?!?
Deus, violência e armas?
Tempos Estranhos
Tempos estranhos esses em que vivemos! Desiludido com a política tradicional, o Brasil assistiu à ascensão de um candidato à presidência da república que desperta sentimentos contraditórios, mas tratado por “mito” pelos seus admiradores. O “mito” criou uma disputa nas eleições de 2018, que gerou uma verdadeira rixa entre famílias, amigos, companheiros de trabalho, comunidades, gerando tensões e divisões. Acusações, fake news, enfrentamentos, posições extremadas, uso de palavras de baixo calão em discursos agressivos, apologias à tortura, declarações homofóbicas, postura contra os direitos humanos, desmonte da fiscalização de violações ao meio ambiente, desprezo pelas atividades culturais, foram produzidas pelo próprio candidato vencedor do páreo para a presidência da república. Isto demonstra uma total falta de decência, com consequências irreparáveis para o nosso país. Estilo esse, imitado por muitos que optaram por esse candidato. E com isso, ódios e inimizades sem sentido, se alastraram pelo país afora.
Que ‘deus’ é esse?!?
O “mito” abusa do nome de Deus: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Usa o nome de Deus em vão, profanando o Ser de Deus. Coloca Deus ao lado do ódio, da violência, da tortura, de ameaças, mentiras, falta de diálogo e de confrontação a quem pensa diferente. O nome de Deus, visto na tradição judaico cristã como misericórdia e esperança, se transforma em rancor ligado à violência. Para clarificar ainda mais essa falsa imagem de Deus, que está ao lado de um grupo de viés fascista, utiliza-se de um gesto que mostra um símbolo da violência institucionalizada. O gesto da mão que simboliza uma arma. E por trás disto, a proposta de armar a população. Como se as armas fossem proteger o indivíduo de toda e qualquer ameaça à sua vida e propriedade. Este gesto de arma é sinal de uma violência simbólica. A imagem foi desde sempre percebida como uma ferramenta e uma técnica que maneja com facilidade a linguagem simbólica. Ela é portadora tanto de sonhos coletivos como de angústias. Ela reflete o imaginário da sociedade. O gesto da arma, com o slogan de um falso deus que está acima de tudo, mostra o evidente desejo consciente de buscar construir um ambiente de tensão, próximo ao caos, para que o “mito” possa continuar no poder, visto que até agora, não se emplacou nenhum projeto político sustentável e crível, em nenhum setor. A ideia que perpassa é que se aposta numa crise generalizada, continuando os confrontos, para que esta ideologia exótica e fanática continue colocando em perigo a democracia.
Triste constatação…
O “mito” utiliza João 8, 32: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. O Brasil tem conhecido ‘essa verdade’: a democracia foi colocada em perigo, pois esse governo se mostra sem preparo algum. Incompetente seja no âmbito político, intelectual como emocional. Vai se ao vento, com uma postura violenta de ataque a quem quer que seja, que se coloque no caminho com pensamentos diferentes. Governa-se pelo medo. Uma total falta de competência governamental. É forjado pelo caminho panfletário barato das redes sociais, uma presença política inexistente. Uma turbulência gera o caos. Esta é a verdade que o “mito” acredita, e pensa que libertará o país, mas ao contrário disto, o mais provável é termos uma crise das mais graves da história, jamais visto neste país. Essa verdade tem libertado o país da democracia, da defesa dos indefesos, na eliminação do diferente, da possibilidade de haver mais estudo sério e formação para as pessoas, de haver mais emprego, de haver mais vida. Que Deus é esse que se coloca acima de tudo? Deus da morte e do fracasso. Brasil será um país de fracassados em todos os âmbitos, se esse governo continuar com essa postura, assessorado por um time de tão pouca visão e de tão pouco sentimento patriótico. A violência, marcada pelo gesto da arma, tornou-se símbolo e o significado desse governo do “mito”. Invade todos os espaços; torna-se espetáculo. E, à medida que o faz, transforma-se numa forma de ser e também numa forma de domínio: “se não é possível combatê-lo, eu o assimilo, transformo-me nele”. Mata-se ou maltrata-se quem estiver à frente. Por impulsividade, por intolerância, por amor ou por ódio. Tanto os mais próximos quanto os mais distantes. Tudo isso intensifica o isolamento, o individualismo e elimina a tolerância com as diferenças. Intensifica a privatização da vida e dificulta a construção da cidadania.
E agora José?…
Cabe à teologia, às Igrejas que de fato fazem uma experiência real do Cristo, bem como a todos os setores comprometidos com a justiça e o bem comum neste país, dar uma resposta ético-moral a esta situação. Acredito que a práxis cristã tem algo a contribuir neste contexto. Devemos levar em consideração que durante toda a sua atividade pública, Jesus impôs o acento numa conversão que significava assumir as próprias opções em sintonia com as prioridades do coração de Deus. Para isso, pacientemente, Jesus mostrou quais eram essas prioridades e sua lógica humanizadora. Mais ainda, mostrou que essa sintonia com o coração de Deus valia mais do que qualquer outra pretensa atitude religiosa. Dessa maneira mostrava como o homem encontra a transcendência que o julga, não escapando a um terreno religioso ou ao interior do coração, mas encontrando Deus no irmão necessitado, isto é, em plena história. Assim sendo, a teologia, se vê questionada e exigida diante de um povo que sofre diante das mais variadas formas de violência de um governo eleito. E mais do que outra atividade humana, esta teologia tem que ter uma expressão de crítica, apontando para caminhos alternativos, num contexto em que não existe a possibilidade de diálogo. Dentro da práxis cristã, verificamos que Jesus privilegiava a questão do diálogo como acolhida do outro. Parece ser importante tentarmos dar um novo cunho à palavra diálogo, que muitas vezes é entendida erroneamente como debate. O diálogo revela e soma a experiência e a intuição das pessoas num processo de respiração de ideias. Na construção de um caminho de superação desta divisão que marca esse país e outros países do mundo, é vital que o conceito de diálogo e comunicação humana sejam colocados como prioridade e impregnados com novas experiências. É extremamente necessário haver abertura para integrar pensamentos diferentes nesse processo, para que possa haver o mínimo de governabilidade. Precisamos da sabedoria acumulada dos povos e organismos para garantir a superação dos problemas sérios existentes e que ameaçam a vida, principalmente dos indefesos. O diálogo nos ensina a lógica extraordinária de que “um mais um, é mais que dois”. Duas cabeças podem pensar bem melhor que uma só. O diálogo só será digno deste nome, se for um diálogo entre sujeitos. Dentro desse governo o que temos é o diálogo entre sujeito e objeto, um diálogo autoritário, colonizador, que impõe ideias e conhecimentos parciais da realidade. O diálogo deve recriar conceitos, ampliar o conhecimento, modificar os interlocutores. Só assim, poderemos acreditar e falar sobre humanização, vigência dos direitos humanos e democracia. Se houver maior comunicação e diálogo com a sociedade, mas diálogo respeitoso, que valorize o pensamento do “outro”, poderá haver uma possibilidade de se achar um caminho de governabilidade. Caso contrário, teremos a continuidade deste “mito”, onde se continuará a “matar” quem pensa diferente, ou quem possui alguma proposta de saída, uma vontade de mudança de postura. Só nos resta torcer para que haja um mínimo de bom senso e inteligência para que o “mito” possa se abrir, ouvindo a sociedade que clama e necessita de reformas consistentes, levando em conta os milhões de desempregados, de sem teto, sem dignidade, sem vida. E para esta abertura, não vemos outra possibilidade, se não houver mudança radical no aparato do governo, da assessoria direta e indireta.
Não haverá governabilidade se o “mito” deixar seus filhos continuarem a se intrometerem em todos os assuntos da presidência, como se houvesse no Brasil um reinado, onde os príncipes ditam as regras para o rei. E sem dúvida alguma, o guru do governo, intitulado astrólogo, que tem obsessão por uma parte do corpo responsável por colocar para fora os excrementos, pois não consegue formular uma frase sem utilizar tal palavra, continuar a gerar tensões e divisões entre as partes que compõem o governo. A situação é tensa! A situação é triste! É preciso um desfecho desta história, pois se continuar assim, veremos o Brasil descer a ladeira, e com isso, o caos total é o que nos resta. Que Deus derrame muitas bênçãos sobre este imenso país.
João B. Tulirwagho, comboniano
– 3º ano de teologia –
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