
Diálogo com Deus: “Você está mesmo bravo com a gente?”
Queridos amigos e amigas, a toda a hora chegam questionamentos a respeito das atividades religiosas em tempo de pandemia. “Será que Deus está chateado porque as missas com o povo foram suspensas?”
(Pe. Xavier Paolillo, comboniano em Santa Rita, PB)
Diante de tantos questionamentos, compartilho minha resposta através de um imaginário diálogo com Deus. Desde já peço perdão por minha audácia. Não tenho a pretensão de ser dono da verdade, mas o desejo de compartilhar o que eu estou pensando. Espero que, pelo menos em parte, esteja em sintonia com Sua vontade. Sigo caminhando feito peregrino sedento de verdade à procura de Suas respostas nesse mar revolto que se tornou nosso mundo, inclusive eclesial.
“Ó Deus, como você está? É verdade que Você está bravo conosco porque suspendemos as missas e as celebrações com o povo por causa do agravamento da pandemia? Tem gente pedindo-Lhe perdão durante a Missa porque estamos privando o povo da Eucaristia. Andam dizendo que você está chateado porque “a Igreja sabe lutar por causas sociais, em defesa da ecologia e da Amazônia, mas está se esquecendo de lutar pelo Céu, pela Vida Eterna…”. É verdade tudo isso. Você está se sentindo descuidado? Está mesmo achando que o nosso compromisso de preservar a vida compromete a nossa fome e sede da Vida que brota da Palavra e da Eucaristia? O que você acha de tudo isso? Estou atordoado. Será que estamos fazendo tudo errado? Responda, Senhor, por favor”.
“Meu filho, é evidente que estou com saudade das comunidades reunidas ao redor da mesa da Eucaristia, pois gosto de família, sinto-me em casa onde há comunhão e fraternidade, mas entendo que o momento exige este sacrifício assim como muitas pessoas estão afastadas de casa para preservar a vida de seus familiares. Jesus, quando instituiu a Eucaristia fez questão de dizer que era sacramento de uma caridade sem limites. Nesse momento, essa mesma Caridade exige a suspensão das atividades comunitárias. Te garanto, porém, que não estou me sentindo abandonado. Nunca fui tão bem cuidado. Inclusive estou muito orgulhoso pois a cada dia vejo muita gente que costuma sentar-se ao redor do banquete eucarístico fazer a mesma coisa de Meu Filho naquela Ceia derradeira (Jo 13,1-13): levantar-se da mesa, vestir o avental e colocar-se a serviço de quem precisa. No meio de tanto sofrimento, reconheço muitos meus filhos e filhas que tomam conta de mim assistindo os doentes, consolando os familiares, acolhendo quem se sente abandonado, socorrendo quem está passando necessidade e abrigando quem ficou sem moradia. Como já te disse meu Filho, toda vez que vocês fazem uma destas coisas a um destes meus irmãos pequeninos é a mim que vocês o estão fazendo (Mt 25,31-46). Quanto a cuidar da Terra e da Amazônia fui Eu mesmo que mandei (Gn 2,15). Confesso que ficaria chateado ao ver a minha igreja omissa diante da devastação que vem acontecendo com a obra da minha criação. Se alguém quebra alguma coisa de vocês, logo ficam chateados e correm atrás do prejuízo. Será que Eu não posso exigir a mesma coisa? Você não tem ideia de quanto eu fico feliz em saber que vocês estão a fim de arrumar a casa para que volte a ser aquele jardim bonito assim como saiu de minhas mãos. Portanto, não há nada de que me pedir perdão. Ao cuidar da Terra, de meus filhos e filhas vocês estão cuidando de mim. O Céu agradece. Onde tem Caridade, aí Eu estou. Misericórdia eu quero e não sacrifício (Mt 12,1-8). A religião mais pura e sem mácula aos Meus olhos é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo (Tg 1,27). Aproveite desse tempo e faça isso. Pegue o telefone e ligue para quem está doente. Console as pessoas que estão sofrendo. Se for padre, celebre o sacramento da reconciliação. Onde e quando puder, administre a unção dos enfermos. Ajude quem está precisando. Cumpra as obras de misericórdia. Tudo isso você pode fazer. Não está proibido de amar. Se fizer isso estará em comunhão comigo e a sua vida terá desde já o sabor do Eterno. Cuidar da vida em todas as dimensões faz desta vida a primeira parte de uma vida que não morre mais. A caridade é o elixir da eternidade.
Permita-me uma última coisa. Não perca tempo em procurar vereadores, deputados, prefeitos, governadores e presidente para pedir que as atividades religiosas sejam consideradas essenciais. A fé é uma experiência de amor que acontece na liberdade não por decreto lei. Ao contrário busque todas estas autoridades para que tornem essenciais de verdade as políticas públicas que garantem dignidade a os meus filhos e filhas, afinal “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27).
Procure viver a sua fé de tal modo que os outros possam sentir vontade de me conhecer e encontrar. O resto deixa comigo. É para isso que serve o meu Espírito. Não se desespere. Logo a emergência passará e poderão de novo celebrar a Eucaristia comunitariamente. Terão muitas histórias para contar e muitas coisas para compartilhar. Descobrirão que a saudade e o desejo do Pão da Vida alimentam tanto quanto a concreta Comunhão com Ele. É a Comunhão espiritual. Você vai ficar feliz de encontrar pessoas que permaneceram vivas também graças a seus cuidados. Com elas poderá celebrar novamente a Eucaristia. Tudo o que você está vivendo não é novidade. Já aconteceu na história da Igreja. Refiro-me à “Igreja que sofre”. Ela ensina que nas provações, nas privações e nas perseguições as comunidades cristãs têm a oportunidade de se tornarem mais autênticas, coerentes e significativas. Fique comigo e com minha benção.”
AMÉM!
(texto de pe. Xavier Paolillo)