Diários de uma itinerância amazônica com Pe. Carlos Arrieta
Quero partilhar, de forma resumida, as diferentes itinerâncias que tenho feito junto à Equipe Itinerante na Amazônia, como missionário comboniano, com meu projeto “Bíblia Itinerante”.
Tripla fronteira (Bolpebra)
A primeira itinerância se realizou em Bolpebra (tripla fronteira: Bolívia, Peru, Brasil), participando da assembleia da Equipe Itinerante no mês de março, em território peruano, numa chácara alugada. Foi convidada Tania Avila Menezes, indígena boliviana, para aprofundar o tema da descolonização. Ela ofereceu uma reflexão muito peculiar, que ajudou muito a equipe na reflexão. Outras duas pessoas também foram convidadas para falar do mesmo tema, porém com um recorte histórico-cultural.
Antes da assembleia, o núcleo de Manaus fez um percurso pela região para conhecer a realidade onde o núcleo de Bolpebra desenvolve sua itinerância. São realidades desafiadoras, onde o missionário deve estar presente e ser testemunha de Cristo, que sempre optou pelos mais pobres e abandonados.
Maués
A segunda itinerância se realizou no Município de Maués, no mês de maio. Antes de ir a Maués, dei o curso bíblico em algumas áreas missionárias do setor, Tarumã e Santa Etelvina, com a finalidade de ver resultados, que por certo, foram positivos.
Tripla fronteira (Brasil, Venezuela, Guiana)
A terceira itinerância foi Boa Vista-Venezuela. Realizou-se no mês de junho.
O objetivo principal da ida até à tripla fronteira era a possibilidade da abertura de um núcleo (abrir uma nova comunidade itinerante, já que o grupo cresce) num dos três países que fazem fronteira. Porém, as três tentativas de encontrar-se com o bispo anterior e com o atual, dom Gonzalo, da prelazia de Santa Helena, na Venezuela, para tratar do assunto, fracassaram.
O bispo, vindo de São Cristóbal, assumiu faz pouco tempo a prelazia, depois de cem anos de presença franciscana. Está sendo difícil para ele, porque são grandes as estruturas físicas deixadas pelos religiosos, que precisam ser recuperadas ou modificadas, num contexto de extrema fragilidade econômica da Venezuela. É uma prelazia muita extensa, fala-se de comunidades terrestres e aéreas (só tem acesso por avião). Tem pouco clero.
A pobreza se faz notar na fome que passam as famílias, que às vezes têm que comer e outras não. Nas filas há muitos carros que devem esperar às vezes por dias, para conseguir algum combustível; na fronteira se usa a moeda brasileira, ao invés da própria, que perdeu seu valor de compra.
Visitamos uma comunidade indígena cristã na periferia da cidade e a equipe achou interessante o acolhimento e atendimento que nos ofereceram. Eles têm um coro de crianças muito disciplinado; cantam em várias línguas: na própria (pemon), em português, espanhol, latim e, no futuro, inglês.
Durante a viagem de ida e volta, a equipe se hospedou em diferentes locais, nas casas das irmãs e dos padres. Muita generosidade de parte todos.
Pacaraima
Do lado brasileiro, na cidade de Pacaraima, é notório o fluxo migratório, embora haja diminuído muito, porque muitos venezuelanos preferem ficar do lado brasileiro e não se adentrar no território, porque têm muito apoio do governo e das ONGs. Em Pacaraima, não passam tantas necessidades e ficam perto de seu país, esperando que as coisas mudem e possam voltar.
As Irmãs de São José têm um projeto de atendimento de mães e crianças migrantes, que ficam no abrigo por algum tempo enquanto regularizam sua vida. Contam com uma padaria atendida e administrada por migrantes venezuelanos. Os padres também têm projetos para acolher e atender os migrantes.
Participamos da apertura da Semana do Migrante, que começou com uma missa; depois, se realizaram diferentes atividades com representação ecumênica.
Boa Vista
Algo que surpreende em Boa Vista é o atendimento aos migrantes venezuelanos, que conta com uma grande logística, em vista do cuidado de suas necessidades (alimentação, vestuário, saúde, segurança, documentos, etc.) Tem várias entidades apoiando com o mesmo objetivo, entre elas a Igreja Católica, também com o envolvimento da pastoral universitária. Entre os migrantes, são atendidos também os indígenas Warao.
Algo que achamos interessante foi o fato de que um grupo de famílias warao esteja vivendo num assentamento rural próprio, não muito longe da cidade. Foram apoiados pela pastoral indigenista e a Cáritas.
Maués
A quarta itinerância se realizou no município de Maués, no mês de julho.
Antes de viajar para Maués, encontrei-me com o coordenador de pastoral da arquidiocese de Manaus, o Pe. Geraldo. Acho interessante o método bíblico dele.
O Pe. Oziel, da paróquia Nossa Senhora da Conceição de Maués, pediu à equipe itinerante um apoio pastoral, enquanto ele fazia consultas e exames para uma possível cirurgia.
Fiquei mais de um mês nessa paróquia, Nossa Senhora da Conceição. Prestei os meus serviços nas comunidades e também apoiei nos diferentes serviços pastorais da paróquia.
Aproveitei para dar formação bíblica em três comunidades, embora não fosse a prioridade. Houve pouca participação por causa das muitas atividades nas comunidades da paróquia no mês de julho, que é muito festivo. Porém achei positivo, porque deu para pôr em prática meu método bíblico. Sempre procuro aproveitar cada oportunidade para melhorar a metodologia, de tal maneira que possa facilitar mais a compreensão da Palavra de Deus.
Às vezes é melhor trabalhar com pequenos grupos, porque isso facilita o estudo e a prática. Percebi que deve ser uma metodologia o mais simples possível, sem querer ser muito detalhista ou acadêmica.
Estando na paróquia, tratei de entrar no ritmo do dia a dia da comunidade diocesana, tentando não ser um peso e apoiar nas diferentes atividades e compromissos. Numa ocasião, fiquei sozinho, porque o pároco e os outros padres foram para Manaus para um retiro. Na hora de partir, o pároco me falou que tinha as portas abertas e quando quisesse poderia voltar de novo. Temos boas relações com alguns párocos e isso nos permite fazer um trabalho contínuo e efetivo.
A estadia na paróquia durante todo este tempo me ajudou a ver como funciona uma paróquia do interior, qual é a sua dinâmica no dia a dia, os diferentes compromissos e atividades pastorais. Uma coisa que se nota imediatamente é o aspecto da religiosidade popular, que se manifesta de muitas formas. Acho que ela deve ser enriquecida com uma formação bíblica que leve a um compromisso na dimensão missionária, para uma Igreja em saída, fraterna e samaritana, que hoje exige a sinodalidade. Pondo em prática a proposta de Jesus de um Reino de amor e fraternidade, sem exclusão e descriminação, onde todos possam “caminhar juntos”.
Foi um tempo propício para mim, já que precisei de muito tempo para melhorar o método bíblico e preparar material que é muito necessário, como painéis e apresentações com slides. Tudo isto com a finalidade de apresentar o curso já estruturado e completo para a REPAM, para que essa rede avalie como incentivá-lo e multiplicá-lo, se achar viável.
Nos últimos dois dias, fui ao encontro com o resto da equipe, que tinha chegado com alguns voluntários da Espanha, para instalar um projeto de energia solar em algumas comunidades ribeirinhas. Outros dois projetos buscam fazer funcionar embarcações com energia solar. Até agora só se experimentou, sem resultados positivos, devidos a diversos contratempos.
Está projetado para o próximo ano, talvez em março, último mês do projeto, dar uma formação bíblica aos indígenas Sateré Mawé. O local, chamado Paraíso II, está sendo reformado para poder dar o curso a catequistas e ministros da palavra de 30 comunidades. Vai ser um grande desafio para mim, porque até agora não trabalhei propriamente com indígenas do interior.
Manaus, 21 de agosto, 2022.
Pe. Carlos Romero Arrieta