
Dom Franco Masserdotti, Comboniano, Bispo de Balsas
Dom Franco Masserdotti, Comboniano, Bispo de Balsas
1. Nota biográfica
Dom Franco Masserdotti, hoje na missão da intercessão, juntamente com o pe. Ezequiel Ramin, foi um bispo missionário comboniano, nascido na Itália em 1941.
Chegou ao Brasil em 1971, em plena época da ditadura militar. Aprendeu os caminhos missionários junto ao povo do Maranhão, como pároco em Pastos Bons. Pouco depois, tornou-se coordenador da pastoral diocesana de Balsas.
De 1979 a 1985, Padre Franco serviu a Congregação Comboniana como Assistente Geral, em Roma. Em 1986, voltou ao Brasil para acompanhar os jovens em formação missionária em São Paulo. Neste período, publicou o livro Meditações de Espiritualidade Missionária.
Em 1995, foi nomeado bispo coadjutor de Dom Rino Carlesi, para a diocese de Balsas, ao qual sucedeu como bispo titular em 1998. Na sua pastoral planejou e lançou vários projetos para renovar as estruturas da Igreja e fortalecer o povo maranhense: a Casa de Oração; o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos; um centro de recuperação para dependentes químicos; um projeto de acompanhamento dos meninos em situação de rua e outro de solidariedade com os leprosos; o Projeto “Rio-Peixe”; a Rádio “Boas Notícias”; o projeto de cooperação missionária “Além das Fronteiras” entre Balsas (MA) e Lichinga (Moçambique).
Durante seu serviço episcopal, foi Presidente do Regional Nordeste 5, Secretário Geral do COMINA, membro da Comissão de Missões da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e responsável pela Dimensão Ad Gentes do CELAM, Presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Vítima de um acidente na estrada, retornou à Casa do Pai no dia 17 de setembro de 2006.
2. A igreja que Dom Franco sonhava
Sonho com uma Igreja que saiba renunciar ao passado, com suas tradições e prescrições legalistas, hoje obsoletas, reinventando-se na capacidade de ouvir o grito dos oprimidos.
Uma Igreja que saiba aproximar-se à humanidade sedenta de Deus, de paz, de justiça e de solidariedade. Uma Igreja que saiba anunciar a esperança que vem de Cristo, Libertador de todas as opressões.
Dizia que é necessário melhorar o estilo de presença e de trabalho da nossa Igreja, para sermos Igreja acolhedora, samaritana, solidária com os pobres, com o protagonismo das Comunidades Eclesiais de Base.
“Não quero alimentar uma Igreja que, na prática, demostra acreditar pouco na força do Evangelho e sente a necessidade de se escorar com ambíguas alianças, com o poder, o dinheiro ou com as obras e as organizações mastodônticas”.
3. Principais linhas de Espiritualidade Missionária
“Estou convencido de que um dos nossos deveres prioritários, enquanto missionários, seja o de viver a nossa provisoriedade da nossa presença, em espírito de encarnação entre o povo, criando progressivamente as condições por uma autonomia da Igreja local. Sem nos acomodarmos, sem nos instalarmos, apesar de nos sentirmos muito bem com o nosso povo”.
Estava sempre em atitude de êxodo. Esta convicção permitiu-lhe abrir caminhos, encurtar distâncias, ultrapassar fronteiras, quebrar tabus e superar obstáculos…
“Custou-me deixar a minha comunidade e minha gente pobre de São Paulo: apercebo-me cada vez mais que estes afastamentos são o pão, na verdade um pouco amargo da vida missionária”.
“O caminho da evangelização é lento e apresenta-se diariamente como uma surpresa, porque o que mais importa é descobrir a iniciativa do Cristo, que trabalha nas tristezas e nas esperanças do povo. Por isso, a encarnação da Palavra e de nós mesmos é árdua e difícil”.
Procurava viver uma espiritualidade dinâmica, que se alimentava constantemente na fonte da água “viva e corrente” que brota da Palavra de Deus, da partilha de vida e da realidade dos pobres.
Nos momentos mais difíceis dos encontros combonianos e nos debates, não faltava o seu humorismo. “É necessário temperar nosso trabalho com humor que nos ajuda a sorrir, a esperar e a relativizar os insucessos”.
Nos cursos de exercícios espirituais que dava aos leigos e aos religiosos, Dom Franco sabia encantar o auditório com historinhas e parábolas e era capaz, com a gente do Nordeste, de tornar simples e compreensível o que era difícil e complexo. Estava convencido de que era necessário revelar o Coração Misericordioso de Deus através do testemunho simples, pessoal e da comunidade.
4. Um jeito próprio de ser missionário!
Inovador na vida missionária, original e criativo, era capaz de envolver todos aqueles que o conheceram e ou trabalharam com ele. Era muito otimista.
Amava viver em comunidade: No sexto Encontro Inter-regional das Comunidades Eclesiais de Base (Goiás 1986), proclamava: “A Trindade é a melhor Comunidade”.
Sonhava renovar a Missão a partir da conversão do coração e da renovação das estruturas eclesiais, sociais, políticas e econômicas.
Na sua agenda, programava iniciativas em ritmo crescente: Formação de animadores de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e de agentes de pastoral, iniciativas de desenvolvimento e de promoção humana, escola de conscientização sócio-política, assembleias, coordenações de pastorais sociais e de empenho pela justiça e a paz, encontros, projetos missionários em África, serviços diversos prestados ao Instituto e à Família Comboniana, cursos de exercícios espirituais, visita a grupos e amigos da Missão.
Na diocese de Balsas, procurou fazer crescer a amizade entre os agentes de pastoral. “Fazer crescer o gosto de nos encontrarmos unidos, de nos ajudarmos, de acompanhar cada um os passos do outro, de nos estimularmos sem nos determos satisfeitos, porque também isso é sinal de libertação e de crescimento a serviço do povo”.
Sonhava com a realização de Congressos missionários continentais em África, Ásia, Europa, assim como já vinham sendo realizados na América Latina. Imaginava fazê-los confluir num “Grande Fórum Mundial”, em comunhão com o Papa e com todas as Igrejas, aberto ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso.
5. Preocupação e carinho especial com os pobres
São os pobres que determinam as opções de Dom Franco. Eles preenchem o seu tempo e ocupam o seu espaço, pois são os privilegiados e os mestres dele.
“Vamos a Belém para descobrir na fragilidade de um Menino nascido na pobreza de uma gruta, o rosto amedrontado dos oprimidos, a solidão dos infelizes e dos excluídos, a amargura dos últimos, os sofrimentos dos refugiados. Ponhamo-nos em caminho sem medo, cada um no nosso lugar, as opções adequadas em favor da vida”.
Servia a todos com solicitude especial, promovendo a vida dos mais sofridos: a mulher, os leprosos, os idosos, os drogados, os desempregados, os afrodescententes, os sem-terra, os pescadores, os jovens.
“Corta o coração ver e receber diariamente mães, crianças, idosos que vêm pedir ajuda e receber uma palavra de esperança, um gesto de fraternidade. Que o Senhor nos ajude a não nos desencorajarmos, a não nos fecharmos numa religiosidade intimista, a acreditar que ele constrói a história através de pequenos gestos de amor aos pobres”.
A dor dos irmãos leprosos o comoveu profundamente quando, já bispo, visitou um bairro paupérrimo onde viviam 22 leprosos.
Diante de calamidades naturais, Dom Franco não hesita em dar ordens para os párocos abrirem as portas das igrejas, salões paroquiais e chama as comunidades para fornecerem víveres colchões e objetos de primeiras necessidades.
“O pobre dá a técnica à nossa oração, ao nosso estilo de vida. Mesmo se nem sempre conseguimos ser coerentes”.
6. Ação transformadora
Chegado a Pastos Bons (MA), Dom Franco teve que assumir uma herança pesada: uma enorme extensão de terra ocupada pela gente de uma forma irracional e denominada “Patrimônio de São Bento”. Procurou entregá-la gratuitamente ao povo, de modo definitivo, por meio de uma repartição justa e racional, tentando simultaneamente instaurar um incentivo de uma gestão comunitária.
Não deixava que a caridade se tornasse paternalismo; para isso, procurava criar redes de solidariedade entre os agentes de pastoral, da sua Igreja de Balsas e das outras Igrejas do Maranhão, ajudando-os a se tornarem protagonistas de sua própria libertação.
Evangelizar para Dom Franco é “anunciar eficazmente com as palavras e as obras a promoção do ser humano em todas as suas dimensões: espirituais e materiais, pessoal e estrutural, mundana e ultramundana, terrena e eterna”.
Sinais dos tempos: Dom Franco tinha certeza da necessidade que cada agente de pastoral possuísse o discernimento dos sinais dos tempos. Ele próprio estava sempre atento a colher a “novidade” no campo da sociologia, antropologia e da história do Brasil e do mundo. Sempre iluminado pela Palavra de Deus e pela fé, sentia que o Espírito de Deus estava presente na história e continuava a agir e a “soprar” onde, como e quando quisesse.
No mês de junho do ano 2000, na comemoração do desembarque de Álvaro Cabral, a 22 de abril de 1500, Dom Franco estava acompanhando uma marcha pacífica dos povos indígenas do Brasil, unidos a outros movimentos e grupos marginalizados. A polícia armada começou a maltratar os povos indígenas, cercou o grupo de missionários e prendeu Dom Franco por ser presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Foi uma humilhação, mas não um grande sofrimento: “Confesso-vos – relata Dom Franco – que eu vivi aquelas horas como uma graça do Senhor que nos permitiu estar mais unidos e solidários com tantos nossos irmãos e irmã que desde há cinco séculos sofre exclusão e repressão”.

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