E a nossa “Faixa de Gaza”?
Os rios são fontes de vida. Desde a nascente até a foz, fecundam a terra e fornecem um dos recursos naturais mais preciosos para os seres vivos: a água. Além disso, têm grande importância cultural, social e econômica. Muitas histórias aconteceram em suas águas e ao longo de suas margens. Muitas comunidades conseguiram viver com dignidade graças aos frutos abundantes de suas águas generosas. A região metropolitana de João Pessoa sabe muito bem o que tudo isso significa. De Santa Rita até Cabedelo, Rio Marés, Rio do Meio, Rio Sanhauá e Rio Paraíba abrem seus caminhos rumo ao mar se cruzando entre eles num abraço fraterno, doando-se sem restrições e alimentando-se reciprocamente com suas águas numa dança da vida que une as forças para resistir à cultura da morte que está devastando a natureza. Hoje em dia, porém, está dança da vida está se transformando num lamento fúnebre. Suas águas já não nascem somente de suas fontes e não são alimentadas só pela chuva, mas vem também das lágrimas que descem dos olhos de quem está testemunhando uma das páginas mais violentas de suas histórias. Elas já não são mais fonte de vida, mas se tornaram o cemitério de corpos de jovens pobres, pretos e periféricos, ceifados por uma violência sem limites que está devastando as comunidades que vivem às suas margens. De Santa Rita até Cabedelo, passando por Bayeux e João Pessoa, formou-se um cenário de guerra que parece não ter fim. O povo daquela região, gente humilde e trabalhadora, está sofrendo horrores por causa da violência. Não tem dia que passe, sem que um corpo, transportado por suas correntezas, seja encontrado, matando a esperança de quem acreditava obstinadamente de encontrar seu ente querido ainda em vida. Rio não é feito para isso. Nasce para dar vida. Não existe para si. Nasce para servir. Vive para os outros. É feliz quando os seres vivos tiram proveito de suas águas. Mata a sede da terra e de seus habitantes para dar vida e não para tirá-la. Passa no meio da gente para nos ensinar como viver. A vida transcorre bem quando é para o bem comum. Mesmo quando suas águas transbordam carregando tudo o que encontram pela frente, não é por culpa dele, mas de quem devastou suas margens e limitou seus movimentos. Aprendamos a lição de nossos rios. Não usemos suas águas para jogar corpos assassinados, mas para aprender a gerar vida. Suas correntezas não sejam testemunhas de atos de barbárie, mas arrastem para o mar a violência que mata. Chega de tanta matança. O povo quer viver e tem direito a viver em paz. Não podemos permitir que toda esta região se transforme na enésima Faixa de Gaza, onde a loucura da guerra prevalece sobre o esforço ético e racional de construir a paz. O terrorismo, qualquer que seja sua natureza, só se enfrenta com “intervenções humanitárias”, isto é, com ações que devolvem dignidade a todas as pessoas envolvidas. Não é uma visão romântica, como alguém diz ironicamente. “Romantismo irracional” é a crença no armamentismo. Loucura é “a paixão pelas armas” como método mais eficaz para combater a violência. A história nos ensina que as armas só estimulam a violência. A vida, como ensinam os rios, só pode brotar da vida. A morte e tudo aquilo que concorre com ela, só gera morte. Escrevi este texto, porque, como dizia, Martin Luther King, além do barulho dos tiros dos violentos, me incomoda o silêncio dos “bons”. Talvez, um dos gestos mais contundentes para viver a Campanha da Fraternidade deste ano no nosso território é uma ação contundente contra a violência e a favor da paz em apoio às comunidades da região metropolitana de João Pessoa que estão vivendo na própria pele o drama da guerra entre as facções. Sei que minha palavra pode não ter muita força, mas mesmo assim, renovo o apelo que faço em todas as visitas às comunidades e estabelecimentos penitenciários: chega desta guerra fratricida. (pe. Xavier Paolillo, CEDHOR e Pastoral do Menor)