É a oração de Jesus que falhou ou precisamos mudar o nosso conceito de Igreja?
A pergunta surge da leitura do Evangelho de hoje. Lucas afirma que o Mestre passou a noite toda em oração antes de escolher os Doze Apóstolos (Lc 6,12-19). O resultado, contudo, gera certa perplexidade. Os escolhidos deixam a desejar. No grupo tem de tudo. Em primeiro lugar, não existe homologação. São pessoas diferentes entre elas. Há variedade de proveniência, maneira de pensar e agir. Como também, não existe “perfeição”. Há revolucionários do partido dos zelotes, conservadores, humildes pescadores que nem sequer sabem ler e escrever, teimosos, pávidos, corruptos cobradores de impostos, gente ambiciosa que deseja ocupar cargos importantes, quem pensa só no dinheiro e até quem chega a renegar ou a trair Jesus. Nos normais processos seletivos conduzidos conforme os nossos critérios que visam a eficiência, muitos deles não passariam. Então, o que aconteceu? Com certeza, a sua oração não falhou. Naquele silêncio no alto da montanha, Ele aprendeu a pensar como o Pai. Escolheu estes Doze, justamente porque Deus quer assim. Esta é a sua vontade. “Deus – escreve o apóstolo Paulo aos Coríntios – escolheu o que é loucura no mundo para desacreditar os sábios. Escolheu o que é fraqueza no mundo para desacreditar os fortes. Escolheu o que é insignificante em valor no mundo, coisas que nada são, para reduzir a nada as coisas que são. E isso para que nenhuma criatura se glorie diante de Deus” (I Cor 1,27-29). Não procura candidatos “perfeitos”, com todos os requisitos em dia, cheios de si mesmos, que se vangloriam de suas qualidades diante de Deus e aos olhos alheios. Sua opção é pelas pessoas que tem a humildade de se deixarem trabalhar pelo Seu Espírito, assim como Maria que não tem medo de colocar sua vida em Suas mãos para que seja plasmada conforme Sua vontade. Pouco lhe importa o material humano que chega às suas mãos. Ele não descarta ninguém. Interessa a obra prima que Ele pode realizar a partir do material que é colocado à sua disposição. Deseja apóstolos que sejam eternamente discípulos à sua escola. O evangelista Marcos deixa isso bem claro quando afirma que Jesus chama os doze para que fiquem com Ele antes de serem enviados para a missão. A prioridade é o discipulado. O convite, em primeiro lugar, é para a convivência com Ele para que os chamados se tornem como Ele. Não se preocupa com os tempos. Não lhe faltam paciência e misericórdia. Sua oração deu certo, pois, exceto Judas, todos corresponderam ao Seu chamado e se tornaram grandes apóstolos. O próprio Judas estaria nesse grupo se tivesse tido, como Pedro, a humildade de voltar e usufruir da Sua misericórdia.
Portanto, o principal interesse de Jesus é formar comunidades ao seu redor, sem exclui quem é frágil e sem prejuízo para as diferenças. O importante é a concentração n’Ele. Pois, quando todos aderem a Ele, as fragilidades podem ser superadas e as diferenças não assustam e nem minam a comunhão, mas a enriquecem. Peca de orgulho quem se acha melhor do que os outros ou pensa que consegue encarnar em si ou em seu grupo toda a riqueza da vida de Jesus. Esta totalidade somente pode ser encontrada na Igreja como um todo. Ela é o corpo de Cristo. Esta comunhão, que não tem nada a ver com homologação, é a melhor maneira de se apresentar ao mundo dilaniado por conflitos e desentendimentos. Não é por acaso que Jesus disse aos seus discípulos que serão publicamente reconhecidos como cristão graças à maneira como se amam. Como é bom ver os irmãos e as irmãs se querendo bem. Chega de brigar entre nós e de excluir quem não concorda conosco. Juntos/as busquemos imitar Cristo, corrigindo na caridade tudo aquilo que nos desvia dele. Não acho um demérito reconhecer as nossas feridas. O pior é fazer de conta que não existem. O reconhecimento delas, além de nos mobilizar em busca da cura, nos faz mais misericordiosos com as feridas alheias.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)