”É melhor correr o risco de se ferir e até mesmo morrer, do que viver como omisso e covarde!”
Conheço pessoas que adquiriram a fama de “boazinhas” porque, estrategicamente, optam sempre pelo silêncio, até diante de coisas absurdas, erradas e perversas. Eu prefiro falar, mesmo se, às vezes, arrisco de apanhar. O silêncio nem sempre é uma virtude, sobretudo quando visa a própria tranquilidade e tampouco é um gesto de caridade, quando é ato de omissão e covardia.
Reconheço que, nem sempre, é possível, manter a compostura. Às vezes perco o controle. Peço até desculpas, mas a paciência tem limites. Tem momentos em que até Jesus não se contém, como quando pega o chicote e derruba as mesas dos cambistas no templo de Jerusalém (Jo 2,13-22). Alguns até ficam escandalizados pela sua postura aparentemente violenta. Contudo, como escreve o Cardeal Gianfranco Ravasi, não estamos diante de um ataque de ira que é um dos sete vícios capitais. “A ira é um vício perigoso e deletério que beira a agressão do outro e o ódio” Estamos diante de uma manifestação de indignação. “A indignação é tomar partido apaixonadamente contra a injustiça, a mentira, o mal, a hipocrisia, e é uma virtude. O objetivo que Jesus quer alcançar é induzir náusea e rejeição para com a degeneração da religião e exaltar uma fé autêntica, livre e atuante”.
Jesus não disfarça nem controla sua indignação pelas injustiças cometidas em nome de Deus, a hipocrisia, a manipulação da Lei em benefício dos interesses de quem detêm o poder, a omissão de quem se deixa comprar em troca de favores ou não quer perder alianças estratégicas úteis em caso de necessidade. Bem-aventurados/as aqueles/as que, seguindo o Seu exemplo, ficam indignados/as com as atrocidades cometidas contra a vida e a dignidade humana, sobretudo dos mais pobres, porque isso significa que ainda são pessoas humanas. Feliz é quem “expulsa” atitudes e posturas que profanam o templo santo de Deus que é o ser humano, manipulam, comercializam, maltratam e vilipendiam a vida. Esta não pode ser submetida às leis da economia e condicionada a interesses perversos. Vender, comprar ou negar a dignidade e a liberdade em troca de promessas fajutas, bens materiais e supostamente “espirituais” e de prazeres volúveis é um pecado que provoca a indignação do próprio Deus. A existência humana não pode ser reduzida a uma questão de negócio. A sua dignidade é inegociável. Ela é sagrada. Bem-vindo o chicote de Jesus para acabar com tudo aquilo que ofende a dignidade das pessoas. Profanar o ser humano, sobretudo a vida dos pequenos, dos pobres e das crianças é o pior sacrilégio. Derrubar tudo aquilo que ameaça a sacralidade do ser humano devolvendo a cada pessoa a sua dignidade é o culto que mais agrada a Deus. Ai de nós se não provarmos esta santa indignação, se nos fecharmos na indiferença e optarmos pela covardia do silêncio. Silenciar é permitir que os maus se tornem cruéis, que os omissos deixem o campo livre para os opressores, que os covardes imponham a resignação, que os mentirosos ocasionais virem contumazes, que a mentira repetida se transforme em verdade… Porque se é certo que há homens e mulheres que fazem muito mal, também é verdade que existem aqueles e aquelas que não se rebelam, que preferem não se meter, que fingem de não ver, não ouvir e decidem de não falar. “A máfia mata, o silêncio também”, dizia Giuseppe Impastato, jornalista italiano assassinado pela máfia. “Não tenho medo da maldade dos ímpios, mas do silêncio dos honestos”, afirmava Matin Luther King. Se não quisermos perder a esperança, cultivemos suas “filhas lindas”, como dizia Sant’Agostinho: a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”. Tenham todos/as um bom e abençoado dia. A falta de indignação diante das coisas erradas é uma das consequências da indiferença, que o pior mal dos nossos tempos, a prova mais contundente da nossa desumanização.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)