
É responsabilidade do cristão devolver dignidade à política
Uma das maiores preocupações dos últimos tempos é a desafeição pela política, sobretudo nas novas gerações. Abundam as razões. Destaca-se a baixaria de
uma parcela significativa dos políticos que há décadas vêm proporcionando um
triste espetáculo de falcatruas sem precedentes. Não faltam aqueles e aquelas
que ainda fazem de seus mandatos um serviço à população.
Infelizmente, seu compromisso em favor do bem comum acaba submerso pelo tsunami de lama
que brota o tempo todo de politiqueiros cafajestes que se servem do mandato
recebido para fazer seus interesses. Através de uma maquiagem sofisticada,
ardilosamente planejada por marqueteiros sedentos de dinheiro, os
protagonistas da politicagem transmitem uma imagem de cordeiros, mas, no
fundo, não passam de lobos que fazem aliança até com o diabo para alcançarem
seus perversos objetivos e se enriquecerem ás custas do povo.
É desse desmando de boa parcela da classe política que surge o desânimo ao
qual segue um perigoso desinteresse pela política por parte dos cidadãos e
cidadãs que ainda têm caráter e alicerçam suas vidas na ética. Há um forte medo
de se sujar, pois a sensação que prevalece é que o único caminho para ganhar
as eleições e se manter no poder é aquele da ilegalidade. Afinal, impõe-se uma
perigosa conclusão: para fazer política, precisa renunciar à ética e, visto que,
graças a Deus, a ética é irrenunciável, desiste-se da política.
É aqui que mora o perigo. Inclusive essa é justamente a vontade da classe
política que não presta: eliminar quem persiste em querer reatar a relação entre
ética e política.
A postura do cristão deve ser outra. Apesar de tudo o que está acontecendo, ele
não pode desistir da política. Não pode cair na tentação de se isolar, de se fechar
num “emsimesmismo solitário e insolidário” para cuidar somente de seus
afazeres em detrimento de uma atuação social e solidária. O individualismo
egoístico, o descuido com a vida em todas suas manifestações, a insensibilidade
diante do sofrimento dos outros e o desinteresse pela coisa pública são posturas
contrárias à natureza humana que é ontologicamente política, ainda mais para o
cristão que acredita que, por ser criado à imagem e semelhança de Deus, é
substancialmente um ser comunitário que se realiza no convívio solidário com os
outros.
A fé é incompatível com neutralidade e indiferença. Exige engajamento. A fé não
combina com manipulação das consciências e distorção da realidade. Exige
verdade. A fé não tolera projetos que desumanizam e oprimem. Exige vida plena
para todos. A fé rejeita compromisso com a idolatria do mercado irrestrito, que
exige sacrifícios humanos e veta qualquer priorização de metas sociais. Exige
conversão e adesão plena ao projeto de Jesus que tem seu principal manifesto
nas bem-aventuranças. A fé não tem nada a ver com a insensibilidade diante do
clamor dos mais pobres. Exige compaixão e a busca de caminhos de libertação.
A espiritualidade cristã não tem nada a ver com espiritualismo, mas é um estilo
de vida que se concretiza na colaboração entre as pessoas para a construção
de um projeto de sociedade que humanize e promova a vida.
No lugar de desistir da política, portanto, é hora de se engajar na política para
reabilitá-la e devolver-lhe dignidade comunicando a verdade, lutando pela
justiça, promovendo o bem comum, defendendo os direitos humanos dos pobres
e transformando a realidade para que se torne cada vez mais parecida com o
projeto de Deus.
O cristão tem a obrigação de se envolver na política não para fazer carreira
política, mas como serviço humanizador que afronta de forma intransigente e
inegociável qualquer projeto político prepotente e excludente, corrupto e
corruptor, desumanizador e opressor.
O cristão se engaja na política como resposta a uma vocação motivada pela
busca incansável do bem comum, pelo amparo à vida, pela opção preferencial
pelos pobres, pela defesa e promoção dos direitos humanos, pela participação
democrática e cidadã e pelo incentivo ao protagonismo.
O cristão assume suas responsabilidades políticas porque, como ensina a
Doutrina Social da Igreja, quando a Política é alicerçada na justiça e na ética, é
a mais perfeita forma de amor evangélico.
O cristão entra na Política sem nenhum outro interesse a não ser a exigência de
compromisso com a autêntica felicidade do ser humano.
Como disse o Beato dom Oscar Romero, cuja memória celebraremos no próximo
dia 24 de março, “Não interessam à Igreja os interesses políticos ou econômicos,
a não ser enquanto têm relação com o ser humano, para fazê-lo mais humano e
para não levá-lo a ser idólatra do dinheiro, idólatra do poder; ou, partindo do
poder, fazê-lo opressor; ou, partindo do dinheiro, fazê-lo marginalizado. O que
interessa à Igreja é que estes bens que Deus colocou nas mãos dos seres
humanos – a política, a matéria, o dinheiro, os bens – sirvam para que o ser
humano realize a sua vocação” (Homilia de D. Romero, 17 de julho de 1977).
Padre Saverio Paolillo (pe.Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral do Menor e Pastoral Carcerária
Centro de Direitos Humanos dos Oscar Romero – Paraíba