Ensinar a Odiar ou Ensinar a Amar?
ENSINAR A ODIAR OU ENSINAR A AMAR?
Durante a minha infância, eu e meus amigos brincávamos muito na rua, até durante o inverno quando as temperaturas eram muito baixas. Uma das brincadeiras era nazista versus “partigiano”, uma versão nossa da brincadeira de polícia e ladrão. Os “partigiani” foram mulheres e homens que organizaram a resistência contra o nazifascismo. Na hora de dividir os grupos ninguém queria ser o “nazista”. Precisava tirar par ou ímpar para decidir. Havia uma inata repulsão, uma naturalização do antifascismo.
Sociedade anti fascista
Desde pequenos, nossos avós e pais, mesmo sendo analfabetos e semianalfabetos, nos imbuíam de cultura antifascista contando-nos todo o sofrimento que haviam padecido sob os regimes de Hitler na Alemanha e de Mussolini na Itália. Não era uma questão ideológica, mas existencial. Na hora das narrativas liamos em seus olhos os horrores vivenciados na própria pele, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial. O homem que um dia se tornou meu pai, aos 18 anos foi obrigado a embarcar num navio de guerra a serviço do nazifascismo até o dia 03 de setembro de 1943 quando a Itália se rendeu aos Países Aliados para depois fazer parte do exército de libertação que expulsou o nazifascismo da Europa. A minha mãe, por sua vez, tinha só 8 anos quando o conflito começou.
Um trauma vivo
A distância de anos, mesmo com a paz restabelecida, a guerra continuava acontecendo em sua memória como uma ferida que não cicatrizava. Não conseguia esquecer o som da sirene que alertava os bombardeios, as corridas rumo aos abrigos para se protegerem, o barulho dos motores dos aviões e as explosões das bombas que caiam sobre a cidade, a terra que tremia e o medo de morrer a qualquer hora. Minha avó contava sobretudo da chacina nazista que aconteceu na minha cidade no dia 12 de setembro de 1943, quando um pelotão nazista, como vingança ao armistício que a Itália assinara com os países aliados alguns dias antes, fuzilou em praça pública onze guardas municipais e dois garis. Um guarda municipal foi atingido primeiro pelas balas dos nazistas e caiu ficando debaixo dos outros corpos que acabaram protegendo sua vida. Uma mulher percebeu que ele estava ainda vivo e, com a ajuda de outras pessoas, conseguiu retirá-lo e colocá-lo a salvo. As marcas dos tiros ainda são visíveis na fachada do prédio do correio da minha cidade onde aconteceu essa página terrível de uma história que não pode voltar a acontecer. Aqueles buracos na parede servem para não esquecer o báratro em que a humanidade precipita quando decide optar pelo ódio e a violência.
Brasil Fascista???
Não consigo entender como existem pessoas de todas as idades que fazem questão de carregar símbolos nazistas e os crimes contra a humanidade cometidos por regimes autoritários como o stalinismo, o fascismo e o nazismo. Graças a Deus, o Brasil, mesmo participando do exército de libertação, não foi diretamente envolvido na Segunda Guerra Mundial, mas conheceu os horrores da ditadura militar. Há ainda muitos sobreviventes daquele tempo que podem contar as torturas que sofreram naquela época somente porque pensavam de maneira diferente. Mas tem pessoas que, apesar de todas as provas documentais, negam os fatos, ou, pior ainda, os aprovam e elogiam os torturadores como se fossem heróis. “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro – dizia o filósofo Platão -, mas a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”… Quando preferem a mentira à verdade, invertem os valores e exaltam os algozes, veneram como mitos seres que desprezam a vida, idolatram torturadores, cultivam o ódio, perseguem obstinadamente a vingança, anseiam por armas e veneram o “deus da guerra”.
A morte anda solta pelo Brasil …
O resultado desta louca e brutal opção é a morte violenta. Ela anda solta pelo Brasil afora. Está instalada nas agressões físicas e psicológicas, na intolerância, nos bloqueios que impedem a vida de fluir pelas rodovias do País, negando o direito a ir e vir a quem precisa se locomover para cuidar da vida, quem necessita trabalhar para garantir vida às suas famílias e quem encara a estrada a serviço da vida como médico, enfermeiro, advogado, transportador de bens essenciais… Todo mundo tem direito a manifestar seu dissenso, mas não dá mais para considerar manifestações legítimas atos que atentam contra o Estado democrático de direito, a vida e a dignidade humana.
Ideologia Nazifascista a serviç0 do Deus dinheiro
A morte violenta, gerada no ventre contaminado pela ideologia nazifascista, age de maneira premeditada. Planeja suas ações nos mínimos detalhes. Não respeita ninguém. Ataca nas ruas, nas casas, nas igrejas e até nas escolas. Agride pessoas de todas as idades somente pelo “prazer de matar”. Age pela mão de qualquer pessoa, inclusive de crianças e adolescentes que, contaminados pelo mau exemplo e o endoutrinamento de adultos perversos, destroçam suas jovens vidas tirando a vida de outras pessoas.
Ainda há esperança!
Ninguém nasce nazifascista. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se pode aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar” (Nelson Mandela). Aqui está o maior desafio do nosso tempo: ensinar a odiar ou ensinar a amar? Da resposta a essa pergunta depende a nossa sobrevivência. Está na hora de parar de alimentar o ódio antes que percamos definitivamente o controle.
pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano