”Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. (Jo 14,6-14)
Meu pai nunca me disse como eu devia viver. Era um homem de poucas palavras, mas sua vida falava por ele e bem dele. Ele vivia e deixava que eu olhasse para sua maneira de viver. Tive a sorte de passar dias inteiros ao seu lado. Durante as férias escolares, na minha adolescência, o ajudava no posto de gasolina onde trabalhava como frentista. Não foi muito de dar conselhos. Mostrou-me como viver. Seu exemplo de honestidade e de dedicação exclusiva à família me marcaram definitivamente. Tornei-me aquele que sou simplesmente olhando para ele e espelhando-me nele. A sua figura foi fundamental para a formatação da minha. Tenho orgulho de dizer que sou a cara do meu pai. Quem me vê e me elogia está reconhecendo o grande pai que tive a sorte de ter ao meu lado.
Foi esse o primeiro pensamento que me veio ao ouvir o testemunho de Jesus. “Quem me vê, vê o meu Pai”, responde a Felipe quando este lhe pede de mostrar-lhe o Pai. Mesmo sendo um assunto de alto nível teológico, a resposta do Mestre é profundamente humana, como é todo o Seu Evangelho. O Mestre não usa argumentos difíceis quando fala de si e da Sua relação com o Pai. À diferença daquilo que lemos nos tratados de teologia, fala a linguagem da vida, usa os exemplos do cotidiano, recorre ao baú dos afetos, sobretudo ao calor da família. É bonito ouvi-lo falar da sua relação de amor com o Pai. Tem orgulho de dizer que é tal e qual a Ele. Reconhece com gratidão que Seu jeito de ser é consequência da contemplação do jeito de ser de Deus. A figura de Deus é Sua única fonte de inspiração. A identificação entre Ele e o Pai é tão intensa ao ponto de afirmar que Ele é o rosto do Pai. É essa identificação com o Pai, devida mais ao amor do que à genética, que lhe dá o direito de dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai se não por mim”. Ele conhece bem o Pai, sabe como chegar a Ele e tornar-se como Ele.
Jesus é o caminho. Além de pôr o pé na terra através do mistério da encarnação, Ele se faz chão sobre o qual os pés do ser humano podem pisar firme e andar com segurança pela via que leva de volta para casa, para o “paraíso” do qual nunca a humanidade deveria ter saído. É o caminho pelo qual ninguém se perde; que não conhece aventuras solitárias, mas é sempre percorrido comunitariamente; ao longo do qual não se briga para quem chega primeiro, mas onde se avança ao passo dos últimos e se faz de tudo para chegar juntos. É a via onde se derrubam muros e constroem pontes e os obstáculos são removidos graças a união de todos. É o caminho rumo a uma história nova, que visa a realização do sonho de mais amor, mais liberdade, mais fraternidade e mais paz.
Jesus é a verdade. Não diz que a “conhece” e a “ensina”, mas que é a verdade. Esta não está num livro, numa doutrina, numa ideologia e numa lei, mas na sua pessoa, Jesus é verdadeiro rosto de Deus e do Ser Humano. A verdade é uma vida inteira de amor. Fala pelo coração que bate exclusivamente ao ritmo da misericórdia, pelos olhos que enxergam o melhor das pessoas, pelas mãos que encontram, abraçam e fazem o bem, pelos pés que andam pelo mundo afora espalhando paz e justiça. É no “corpo humano” de Jesus que encontramos o jeito de ser do Cristo, conhecemos o verdadeiro Deus e, portanto, a nossa autêntica identidade. “O cristianismo não é um sistema de pensamento nem tampouco um manual de rituais, mas uma história concreta, uma experiência de vida marcada pelo Amor” (pe. Ermes Ronchi). Qualquer representação de Deus que não leva em conta a vida concreta de Jesus de Nazaré corre o risco de ser herética. Ele é a verdade que liberta. Portanto, não somos livres de dizer ou omitir a verdade, mas somos livres porque dizemos a verdade. A verdadeira liberdade é o amor que nos obriga a ser e dizer a verdade. Não existe liberdade de expressão se não houver compromisso com a verdade, como também não há amor quando há falsidade. Quem mente é escravo de si mesmo, prisioneiro de seu próprio ego e vítima de sua própria perversidade. Não conhece o amor oblativo. Serve-se da falsidade para praticar maldade e destruir a vida alheia. Ao optar pela mentira não exerce o direito à liberdade de expressão, mas comete pecado contra o mandamento do amor e um crime contra a dignidade de suas vítimas. A construção e divulgação de fake-news são atitudes demoníacas, incompatíveis com o compromisso do/a cristão/ã com a Verdade.
Enfim, Jesus é a vida, isto é, é Aquele que nos faz viver em plenitude. Sua proposta não mortifica a nossa existência, mas a alimenta, a enriquece e lhe garante a realização que tanto desejamos. A intensidade dela está diretamente ligada à nossa adesão a seu Evangelho. Mais Jesus tem na nossa vida e mais temos vida. Mais olhamos para Ele, como vive, como ama, como acolhe e como doa a vida e mais entendemos de Deus e de humanidade. O Pai, de fato, não exige de nós nada de excepcional. Basta-lhe que sejamos “humanos” assim como foi Jesus.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)