Ezequiel Ramin: uma morte por Amor
Foi o que pensei e senti ao ingressar na Igreja Sagrada Família de Cacoal-RO, repleta de fiéis, reunidos por ocasião do encerramento da etapa no Brasil do processo sobre o martírio do Pe. Ezequiel Ramin, no dia 4 de Março de 2017.
Emoção ainda maior foi ver entrar, na altura do ato penitencial, os coordenadores da comunidade Pe. Ezequiel de Rondolândia, MT, Roziene e Romilson, levando ao altar uma faixa vermelha e um vaso repleto de terra (ver foto) de onde o Pe. Ezequiel foi assassinado; e mais tarde, na procissão das ofertas, ver a Sra. Geni de 81 anos levando, com evidente orgulho, uma das doze caixas da documentação recolhida no processo. De imediato, associei estas cenas às palavras que ela mesma havia dito: «Eu acredito que ali no lugar onde o Pe. Ezequiel foi morto haverá muita cura. Naquele lugar haverá um templo grande, de muita luz e cura sobre o povo. Virão muitos ônibus em peregrinação de muitas partes para visitar o lugar e receberão muitas graças de Deus pela intercessão do Pe. Ezequiel. Ele é um padre muito amoroso, carinhoso, e acolhia muito os pobres e pequenos e trabalhava pelos fracos».
O fato de contemplar aqueles rostos me fez relembrar os vários desafios vividos no transcorrer do processo. No ano 2000, ao darmos os primeiros passos, tudo parecia um sonho arriscado e irrealizável. No entanto, Deus tem os seus desígnios. Ele conhece os tempos, coloca no nosso caminho pessoas, faz acontecer eventos não programados… Um dos grandes desafios para o processo foi o encontrar testemunhas, depois de 30 anos do acontecimento. No entanto, pouco a pouco conseguimos testemunhas muito significativas, somando 73 no total, desde bispos até cristãos simples da roça e indígenas da floresta. Dificuldade parecida tivemos em relação aos peritos. Procurávamos intelectuais que oferecessem uma base segura ao processo. E Ezequiel teve a honra de ser avaliado por cinco doutores, dois em teologia e três em história: fato não muito frequente no Brasil.
Encontramos ainda outros desafios, como por exemplo: as complicações dos procedimentos e as formalidades; os prazos apertados e as postergações; a dificuldade de juntar provas documentais para demonstrar que a morte do Pe. Ezequiel foi verdadeiro martírio cristão, e para evidenciar que sua figura nos remete ao modelo de Igreja profética e missionária vivido no Brasil entre os anos 70 e 90. E ainda, foi necessário provar a autenticidade da única testemunha ocular. Este trabalho acabou sendo uma questão de fazer justiça a um inocente. Na noite de 4 de Março, pude restituir o bom nome a uma pessoa que, durante anos, foi injustamente acusada der ser o companheiro traidor do Pe. Ezequiel, na sua última viagem.
Tantas dificuldades tornaram-se, pouco a pouco, sinais da companhia de Deus no nosso caminhar. Nós colaboramos, mas o artífice foi Deus. Depois de tamanho estudo, talvez alguém poderia nos perguntar: “e a final, o que nos ensina a figura do Ezequiel?” E eu diria que, ao meu ver, o Ezequiel nos dá o testemunho de que:
Evangelizar tem o seu preço e só o pode fazer quem aceita amar sem condições e colocar o bem do outro acima do seu próprio bem: não se evangeliza, se não se ama!
Não se ama, sem a vontade de participar numa obra comum.
Não se ama, se não se valoriza a cada um, segundo o seu dom.
Não se ama, sem uma espiritualidade.
Não se ama, se não se leva as pessoas ao protagonismo.
Não se ama, se não se arrisca e não se faz opção pelos mais pobres e injustiçados para poder chegar a dialogar com todos, sem hipocrisias.
Não se ama, sem um espírito positivo e de esperança.
Não se ama, se não se entra num projeto eclesial comum.
Não se ama, se não se conhece a fundo a realidade.
Não se ama, se não se age.
Não se ama, se não se está disponível a ir até o fim, até o dom da própria vida, quando Deus e o bem do povo o requerem.
AMA!
A Deus e a todos que colaboraram, o meu profundo agradecimento!
Rafael Vígolo, comboniano em Macau