Felizes dos Que a Morte Encontra Conformes à Vossa Santíssima Vontade
Hoje é o dia em que fazemos memória de nossos irmãos e irmãs falecidos(as) e rezamos por eles(as), mas seria uma aberração achar que é dia de comemorar a morte. Nada disso. A Liturgia celebra a Ressurreição. Tolera-se o choro da saudade. O próprio Jesus não consegue segurar o pranto diante do túmulo de Lázaro, tamanho é o amor que tem por ele. Mas nada de desespero. É hora de enxugar as lágrimas. A Palavra de Deus anuncia com todas as letras que a morte não é o fim de tudo. Se fosse assim, a vida não teria algum sentido. Seria um absurdo caminhar a vida inteira para o nada. “Com a morte”, diz a liturgia, “a vida não é tirada, mas transformada”. Se nascer é vir à luz do mundo, morrer é vir à luz plena de Deus. Os santos encaravam a morte dessa forma. São Francisco de Assis, no Cântico das Criaturas, cantava: “Louvado sejais, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual nenhum homem pode fugir. Ai daqueles que morrem em pecado mortal. Felizes dos que a morte encontra conformes à vossa santíssima vontade. A estes não fará mal a segunda morte”. São Agostinho, por sua vez, nos alerta, perguntando: “Por que fazes o impossível para morrer um pouco mais tarde, e nada fazes para não morrer para sempre?”. Hoje não é dia de focar na morte física, mas na vida que, desde já, nos permite sentir o gosto da plenitude e da eternidade.
A morte para o cristão é o começo de uma nova vida marcada pela comunhão plena com Deus. Não podia ser diferente. A morte como fim definitivo não combina com Deus. Não está incluída na lista das obras por Ele realizadas. “Deus não fez a morte, nem tem prazer em destruir os viventes. Tudo criou para que subsista; são salutares as criaturas do mundo: nelas não há veneno de morte, e o Hades não reina sobre a terra” (Sb 1,13-14). Deus é Vida. Só gera a Vida e cuida dela com ternura. Quando cria o ser humano, sopra nele Seu Espírito e lhe dá de presente a Sua própria Vida de maneira que, desde o primeiro instante de sua existência, cada pessoa respira a Vida do Eterno. Viver respirando Deus é respirar Amor por todos os poros. Esse é nosso maior desafio para não morrermos para sempre.
Todos passaremos pela morte biológica. Ninguém está isento dela, nem os discípulos de Jesus. O Mestre nunca assegurou a seus amigos uma infinita sobrevivência. Não prometeu o elixir da imortalidade. Apontou o caminho da eternidade. Para Ele, o desafio não está em não morrer, mas em viver desde já conforme a Vida do Eterno. O Seu Evangelho nos ensina a ter mais medo de uma vida errada do que da morte, a evitar mais uma vida perdida no pecado do que ter medo de perder a vida por amor, a temer mais uma vida inútil e vazia do que encarar a última fronteira dessa para a outra vida, cuja passagem não assusta quem segura na mão de Deus e se deixa conduzir por Ele.
No lugar de nos angustiarmos com a morte, portanto, busquemos viver desde já conforme a Vida do Eterno. Ela entra em nós muito antes que alcance sua plenitude definitiva no Reino de Deus. Entra pela Fé em Jesus Cristo: “Essa é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40).
Entra pelo exercício da Caridade: “Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?… Vai, faz como o samaritano e viverás” (Lc 10,25-37).
Entra pela teimosia da Esperança: “Referi-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim. No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33).
Viver conforme a Vida do Eterno, isto é, viver à luz de Seu amor misericordioso e de Seu cuidado com a vida, é a melhor estratégia para vencer desde já a morte, até a sua derrota definitiva com a Ressurreição. Aproveitemos bem da vida. Não teremos só esta vida na terra. Vale a pena vivê-la intensamente à luz do Evangelho. “Enquanto temos tempo, façamos o bem a todos(as)” (Gl 6, 10).
(Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)