Fixar o Olhar em Jesus de Nazaré
O evangelista Lucas conta que Jesus frequentava a sinagoga todo sábado (Lc 4,16). Era alérgico à suntuosidade e ao ritualismo do Templo, mas gostava de celebrar com as pequenas comunidades que concentravam suas atenções na Palavra e não nos sacrifícios. Contudo mantem sempre certa liberdade em relação aos protocolos litúrgicos. Na sinagoga de Nazaré comete pelo menos três transgressões. Na primeira, não lê o texto previsto na liturgia do dia. Os Judeus seguiam como nós um ciclo de três anos. Ele pula esta parte e procura a passagem do livro do profeta Isaias que descreve seu programa de vida: levar a Boa Nova aos pobres, libertar os cativos, iluminar com a luz da verdade quem anda nas trevas, resgatar os oprimidos e proclamar um ano da graça do Senhor (Lc 4,18-19). Como não bastasse a liberdade de escolha, Jesus “mutila” o texto original. Omite a expressão “dia de vingança” (Is 61,2) e a substitui com o “o ano de graça do Senhor” (Lc 4,19). Chega de medo. Deus não é promessa de vingança, mas certeza de amor, alegria, misericórdia, libertação e graça. Enfim, no lugar de fazer o sermão como era de costume perdendo tempo com moralismos e enrolações espirituais, realiza gestos proféticos. Primeiro fecha o Livro e o entrega ao servente para que o guarde. O Antigo Testamento já fez sua parte. Cumpriu o papel de preparar a sua vinda. A partir de agora só tem sentido a partir do ponto de vista dele e à luz de sua vida. Sem levar em conta a experiência de Jesus de Nazaré, o Antigo Testamento perde sua finalidade e compromete seu sentido. Depois senta. Assume a função de Mestre. Ele é o único e verdadeiro mestre como ele mesmo dirá: “Vós não vos façais chamar rabi, porque um só é o vosso preceptor, e vós sois todos irmãos. E a ninguém chameis de pai sobre a terra, porque um só é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem vos façais chamar de mestres, porque só tendes um Mestre, o Cristo.”(Mt 23,8-10). Enfim, diz: ‘Hoje se cumpriu esta passagem da escritura que acabastes de ouvir”. O rótulo do pergaminho vai para o arquivo. Agora entra em cena a vida d’Ele. A partir de agora o Livro é Ele mesmo. O Filho “em carne e osso” é a Escritura onde está gravada a vontade do Pai. A Sua carne é teofania, isto, é, a manifestação do verdadeiro rosto de Deus. O Seu jeito de ser e de viver é aquele anunciado pelo profeta Isaias. O seu “plano pastoral” encontra-se naquele texto. Qualquer outra representação de Jesus e de sua missão que foge àquela descrição é desviante. Jesus de Nazaré, como escreveu um autor da idade média, é o “livro máximo” cujas páginas são a sua carne. Sua vida é o Livro por excelência, sempre aberto e atual, acessível a qualquer leitor e fácil de entender quando existe a disposição a lê-lo à luz do Espírito e com os olhos do coração. Meditar sua vida e, sobretudo, assimilá-la, ao ponto de torná-la carne em cada um e cada uma de nós é o nosso principal desafio. Mantenhamos sempre os olhos fixos em Jesus de Nazaré. “Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele”, sublinha o evangelista Lucas. Eis o segredo de uma vida verdadeiramente cristã: fixar o olhar em Jesus de Nazaré sem deixar-se levar por distrações legalistas, moralistas, ritualistas e ideológicas. A igreja não possui seu fundamento em si mesma; ela não é “autorreferencial”, mas referida a Cristo. Da mesma forma, as organizações, instituições pastorais e liturgias eclesiais não possuem sua referência em si mesmas, nem em algum sistema cultural ou ideológico, mas em Jesus Cristo, “autor e consumador de nossa fé”. A Ele, devemos voltar os nossos olhares o tempo todo para dar solidez à nossa fé nossa fé e dar razão de ser de nossa prática evangelizadora e libertadora.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)