“Fome de Deus: Sim! Fome de pão: Não!”
Foi esse o grito de São João Paulo II ao concluir seu discurso sobre o Evangelho da partilha dos pães e dos peixes (Lc 9, 10-17), proferido perante uma multidão de cerca de um milhão de pessoas empobrecidas em Villa El Salvador, nos arredores de Lima (Peru). Sentir fome e sede de Deus é uma dimensão vital. Mas a fome de pão é desumana. Ela mata. Deixar o povo morrer por falta de comida é uma aberração, um pecado mortal que indigna Deus e que deve nos deixar extremamente envergonhados. Jesus não fica indiferente. Diz o evangelista Mateus que o Mestre sentiu compaixão da multidão que o seguia e não tinha nada para comer. A compaixão é a razão fundante da história da salvação. Foi assim que começou com Moisés: “Observei a miséria do meu povo… Ouvi o seu grito… Conheço os seus sofrimentos… Desci para libertá-lo”. Os profetas fazem referência o tempo todo a ela para explicar as intervenções de Deus. A compaixão na Bíblia é um sentimento que precede o mesmo pedido de ajuda e que, infelizmente, se choca com a teimosa “dureza de coração” dos discípulos que, ao aproximar-se de Jesus, lhe dizem: “Este lugar é deserto. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida”. Estamos diante de um péssimo exemplo da lógica do capitalismo que quer determinar quem pode ou não viver a partir de sua capacidade de produzir, acumular e gastar. No entanto, Jesus não desiste. À proposta vergonhosa dos apóstolos, responde com uma ordem peremptória: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Este imperativo, que nem sempre é obedecido por seus discípulos de ontem e de hoje, é a resposta que aponta o caminho para o fim do flagelo da fome que envergonha a humanidade. A responsabilidade de acabar com a fome no mundo não é de Deus, mas do ser humano, sobretudo daquele que se diz cristão. Deus não faz o milagre. Ensina seus discípulos a fazer o milagre. Manda recolher todos os alimentos que estão em posse do povo, os abençoa e os reparte entre todos. “A multidão comeu e ficou satisfeita. Ainda sobrou comida. Dos pedaços que sobraram, recolheram ainda dez cestos cheios.” Com este gesto, Jesus ensina a seus discípulos a acabarem com a fome do povo mediante a solidariedade e a partilha. Isso não acontece por toque de mágica, mas é o resultado de uma longa jornada de conversão. O deserto, escolhido como cenário para esta lição, recorda a experiência do Êxodo. Jesus deseja envolver-nos num novo Êxodo. Ele quer nos tirar do mundo marcado por injustiças e iniquidades e encaminhar rumo a uma terra nova onde todos/as possam viver como filhos e filhas de Deus, demonstrando que, onde há compaixão e solidariedade, o pão da Palavra e o pão material dão para todos/as.
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)