Gestão e Política Melhor (artigo de Dom Walmor – presidente da CNBB)
“Política melhor” já é expressão consagrada a partir do Papa Francisco, na sua Carta Encíclica Fratelli Tutti, em um horizonte conceitual com força para qualificar a política. Há um conjunto de esforços e investimentos para encantar a política – isto é, fazer dela, sempre mais, um serviço alicerçado na qualificada cidadania, promovendo dinâmicas que garantam justiça e igualdade, uma compreensão que articule diferenças como riquezas na democracia. Nesta direção, encontra-se a possibilidade de se fazer da política um instrumento para a promoção de valores inegociáveis, defendendo a vida, em todas as suas etapas, da concepção ao declínio com a morte natural. A “política melhor” articula efetivas contribuições para levar o mundo ao desenvolvimento – um lugar da fraternidade entre os povos, com seus segmentos sociopolíticos, que precisam viver e testemunhar a amizade social, conforme sublinha o Papa Francisco na Carta Encíclica.
O Papa Francisco também adverte que, infelizmente, muitas vezes, a política pode dificultar a consolidação do caminho que leva a um mundo diferente. Esse mundo diferente deve ser compreendido como organização social e política capaz de superar cenários de desigualdade social, com investimentos prioritários, dentre outros campos, na educação, na superação de preconceitos e discriminações. Uma nova realidade marcada, ainda, pelo respeito à liberdade religiosa e pela competência na promoção indispensável de valores éticos. Para efetivar esse contexto almejado, torna-se importante considerar o conceito de gestão, no amplo horizonte sobre o que significa a “política melhor”. Essa consideração é especial desafio para governantes e representantes do povo, que precisam oferecer respostas mais assertivas aos problemas enfrentados pela sociedade.
A gestão qualificada, moderna e capaz de levar a significativos resultados inclui muitos princípios importantes, contemplando aqueles que são norteadores, essenciais para evitar que haja submissão à lógica do lucro, em uma economia que mata. Gestão qualificada e moderna não é aquela que simplesmente privilegia o dinheiro, em desfavor da igualdade social. Esse modelo de gestão, na verdade, corre o risco de perpetrar crimes contra a sagrada e inviolável dignidade da pessoa humana. Para além de procedimentos técnicos, da importante dedicação em busca do adequado funcionamento da “máquina administrativa”, é preciso se comover com o rosto sofrido dos pobres, para servi-los prioritariamente. Trata-se de caminho para que todos sejam respeitados em seus direitos e deveres inalienáveis.
Na gestão séria e moralmente respeitável não se pode caminhar de modo insensível em relação aos pobres. A realidade dos que sofrem deve doer na alma de todos os cidadãos e cidadãs, para que ocorra também uma reabilitação ética da política. Os rostos dos pobres, ao serem enxergados com seriedade, revelam à sociedade a direção para o fortalecimento da democracia, por meio de uma economia solidária, de um desenvolvimento integral, sustentável. Assim, os muitos cenários de pobreza não podem simplesmente servir para compor a propaganda eleitoral. A realidade dos pobres deve estar permanentemente nos gabinetes e nas salas de reuniões, para interpelar, dia e noite, aqueles que se submeteram ao voto. A dedicação aos que padecem comprova uma autêntica sensibilidade social, necessária não simplesmente para o funcionamento da máquina pública, mas também na gestão da cultura – que abrange o conjunto de hábitos, valores e práticas relacionadas à interação do ser humano com o seu semelhante, com a natureza e com Deus. A cultura pede, pois, investimentos, de modo semelhante ao que ocorre com outros setores da economia.
Percebe-se a incompetência nos processos de gestão quando a cultura não é reconhecida em sua importância, e o patrimônio cultural, paisagístico e histórico que se herdou de antepassados, construído ao longo de séculos, é tratado com descaso. Perde-se muito pela miopia dos entendimentos que, por vezes, levam à depredação selvagem, ou à indiferença em relação a esse patrimônio, sob o “baldaquino da ilusão” de que um povo pode se desenvolver sem a adequada valorização de seus bens culturais. A consideração da cultura, promovendo patrimônios que fazem parte da identidade de um povo, constitui também critério essencial para se exercer a gestão no horizonte da “política melhor”. Funcione bem a máquina governamental, alicerçados sejam os processos legislativos e administrativos, operadas as reformas indispensáveis e urgentes, a partir de uma profunda sensibilidade em relação aos pobres e de uma interpelante riqueza vinda da cultura – do seu patrimônio histórico, religioso, artístico e paisagístico – para ser edificado um novo tempo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)