
Grita forte, levanta a voz e denuncia os crimes do povo e os pecados da casa de Jacó
“Não gosto de pastorais que gritam!”. É uma crítica que escuto frequentemente nos últimos tempos. É referida, sobretudo, àqueles/as que se obstinam a não praticar só a caridade emergencial, mas também aquela estrutural, isto é, que não se satisfazem com o assistencialismo, mas denunciam as injustiças e reivindicam a garantia universal dos direitos fundamentais. Para estes críticos da profecia, questionar por que falta pão, terra, moradia e trabalho é fazer ideologia, esquecendo-se que também o silêncio da covardia, o excesso de prudência para não comprometer as alianças estratégicas com o poder e a omissão por puro comodismo são também práticas ideológicas da pior espécie, porque sustentam e perpetuam o sistema que gera sofrimento e morte. É interessante reparar que, aqueles que prezam por um trabalho pastoral que não incomoda, são os primeiros a levantar a voz quando estão em jogo os seus próprios direitos ou aqueles de sua instituição.
“Aqueles que têm uma voz – dizia São Oscar Romero – devem falar por aqueles que são sem voz”. Inclusive, devem trabalhar para que os sem voz consigam reivindicar seus direitos com sua própria voz.
Estes pensamentos afloraram hoje na minha meditação matutina quando li o trecho do profeta Isaias que fala do jejum que agrada a Deus: quebrar as cadeias injustas, desligar as amarras do jugo, tornar livres os que estão detidos, enfim romper todo tipo de opressão; repartir o pão com o faminto, acolher em casa os pobres e peregrinos, cobrir o nu e não desprezar o irmão e a irmã que são carne da nossa mesma carne (Is 58,1-9).
Esse texto será lido hoje em todas as igrejas católicas. Não é a opinião do profeta, mas é Palavra de Deus. É o Senhor que manda Isaias gritar forte, levantar a voz e denunciar os crimes do povo e os pecados da casa de Jacó. Deus está indignado com quem O busca, exige d’Ele julgamentos justos e procura Sua proximidade, mas continua praticando injustiça e violência. Abomina o jejum de quem persiste em negócios ilícitos e desonestos, se envolve em brigas e agride os outros impiedosamente.
A denúncia é de uma atualidade impressionante. É uma análise de conjuntura dos nossos tempos. Desmascara nossas contradições e hipocrisias. Não é fácil fazer o que Deus pede, mas o absurdo é perseguir quem grita forte, com a palavra e a vida, o que interessa a Deus de verdade, isto é, a implantação da justiça, a vivência do amor, o exercício da misericórdia, a prática da solidariedade e a construção da paz. É esse o jejum que lhe agrada. O pior é constatar que essa perseguição contra os profetas e a própria essência do Evangelho não parte dos pagãos, mas dos próprios cristãos. Se Jesus, voltasse agora, teria um destino muito mais cruel daquele que teve quando esteve no meio de nós. Seria hostilizado pelos “gabinetes do ódio”, por pregadores interesseiros e por grupos religiosos que através das redes sociais, no lugar de anunciar a Boa Nova, fazem o jogo do “capeta” espalhando más notícias, mentiras, calúnias, insultos e agressões.
O jejum não é simplesmente tirar a carne do cardápio, mas cortar na própria carne o egoísmo, a indiferença, a ganância, o ódio, o desejo de vingança, a obsessão pelo poder e a maldade que não deixa amar. Não é simplesmente uma questão de estômago, mas de coração. Não é um sacrifício, mas uma iniciativa que nasce do amor por Deus e pelos/as outros/as. É privar-se de tudo aquilo que, mesmo saturando a nossa vida, não a alimenta. Pelo contrário, a envenena. Não é uma simples renúncia deste ou aquele alimento, mas a busca ativa do verdadeiro alimento. É um gesto pedagógico que traz à tona a experiência da fome de Deus em quem está entupido, mas não satisfeito, com a barriga cheia, mas com uma terrível sensação de vazio. O jejum funciona se leva a totalidade da pessoa a reconhecer que só Deus basta, como dizia santa Teresa. Não se trata de uma experiência de isolamento ascético. O abandono n’Ele é um mergulho na Caridade que, além de satisfazer a “fome de plenitude” de quem O procura, o leva naturalmente a praticar a caridade com os outros com um envolvimento tão intenso que até se esquece de cuidar de si mesmo e de se alimentar. Portanto, não demandemos à barriga, aquilo que só o coração pode e deve fazer. Alimentemo-nos de Amor para amar como Jesus de Nazaré nos mostrou com suas palavras e gestos.
(Pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)