Há mais alegria em doar do que em receber (Mc 10,28-31)
“Eis que deixamos tudo e te seguimos. O que vai acontecer conosco?”. A pergunta é de Pedro. Surge de uma conversa que tem origem de um encontro decepcionante. O protagonista é um jovem, diz Mateus; nobre, acrescenta Lucas; e rico, conclui Marcos, Os três evangelistas dizem que ele tem tudo, mas sente uma profunda insatisfação. Falta-lhe o essencial: “a plenitude da vida”. O que fazer para consegui-la? Ele sabe que a plenitude da vida não é nem ser jovem, porque depois chega a velhice; nem em ser rico, porque os bens materiais nunca satisfazem plenamente e sempre correm o risco de acabar; nem em ser nobre porque pode acontecer de cair em desgraça e perder títulos e privilégios. Então pergunta a Jesus o que fazer para alcançar a felicidade. Jesus lhe aponta o caminho da observância da Lei, conforme a tradição religiosa da época. Mas ele responde que sempre a observou, desde criança. Então, Jesus lhe faz uma proposta audaciosa: passar do verbo “acumular’ riquezas, prestígios e méritos por cumprir os mandamentos para o verbo ‘compartilhar” sua vida com ele (discipulado) e sua riqueza com os pobres. O jovem achava, de acordo com a mentalidade da época, que a sua riqueza fosse prêmio pela sua fidelidade à Lei, um sinal da bênção divina. Mas Jesus, seguindo a tradição profética, o alerta sobre os perigos da riqueza. Quando é fruto da ganância e é administrada com egoísmo torna-se um obstáculo para o Reino. O jovem rico, embora se esforce como pessoa de ser bom e honesto, sua riqueza o transforma em construtor de uma sociedade injusta que não tem nada a ver com o projeto de Deus. Ao apelo de Jesus a deixar tudo para segui-lo, se entristece e vai embora abatido, pois não consegue largar os muitos bens que possuía. A reação de Jesus é sofrida. Olhando aos eu redor, diz a seus discípulos: “Quão dificilmente entrarão no Reino de Deus os ricos”. Ele não exclui ninguém. São os ricos que se autoexcluem porque não conseguem se desprender de seus bens e não são capazes de compartilhá-los.´
“E quem deixa tudo para segui-lo, o que vai acontecer com Ele?” Jesus em sua resposta não minimiza as dificuldades vivenciadas por aqueles que decidem segui-lo. Sabe que não é fácil largar, em nome do Evangelho, o lugar onde nascemos e crescemos, os afetos que cuidaram de nós e que que cultivamos e as experiências que nos fizeram o que somos. Convida-nos, no entanto, a ampliar nossos horizontes e a ter um olhar confiante em relação às perspectivas que se abrem quando escolhemos caminhar com Ele. O medo das escolhas radicais que o Evangelho nos pede não deve paralisar-nos. Pois nos atende a plenitude da vida que não diz respeito somente ao futuro, mas que já começa a acontecer no tempo presente. Podemos vê-lo nos olhos de tantas testemunhas que fizeram escolhas corajosas por amor a Deus e aos irmãos. Ao ouvi-los, conhecemos as dificuldades, mal-entendidos e, por vezes, perseguições ligadas a certas escolhas. Mas, ao mesmo tempo, vemos realizado nesta terra o milagre da partilha que se torna a multiplicação do bem dado e recebido (Arquidiocese de Pisa). As sete coisas que enumera, símbolo da totalidade da disponibilidade e da radicalidade da opção de segui-lo, não são intrinsecamente más. São todas realidades criadas por Deus e, portanto, intrinsecamente, boas. O que atrapalha é o tipo de ligação que nós estabelecemos com elas. Atrapalham, quando as idolatramos e nos deixamos escravizar por elas. Se usamos os bens egoisticamente sacrificamos nossas vidas às coisas, empobrecemos os outros e nos separamos de Deus e de nossos irmãos e irmãs. Ao contrário, os bens doados fazem comunhão, como na primeira comunidade cristã. A generosidade gera felicidade e constrói desde já o mundo novo que tanto desejamos.
Madeleine Delbrêl, assistente social e mística francesa, que dedicou sua vida aos últimos dos subúrbios parisienses, escreveu belas páginas que testemunham a alegria de uma vida dedicada ao Evangelho: “Cada pequena ação é um evento imenso em que nos é dado o paraíso, no qual podemos dar o paraíso. Não importa o que temos que fazer: segurar uma vassoura ou uma caneta-tinteiro. Falar ou ficar em silêncio, consertar ou dar uma palestra, tratar uma pessoa doente ou digitar. Tudo isto não é senão a casca da esplêndida realidade, o encontro da alma com Deus renovado a cada minuto, que cresce a cada minuto em graça, cada vez mais belo para o seu Deus” (de Madeleine Delbrêl).
Isso é verdade. Quando levamos o evangelho a sério, vivemos uma qualidade de vida extraordinária, relacionamentos significativos, experiências autênticas… Não de acordo com a lógica deste mundo, é claro, mas podemos dizer honestamente que recebemos cem vezes mais do que demos. É a lógica do Evangelho: a de tornar fecundo tudo o que é dado com generosidade. É a lógica de Deus.
Como diz papa Francisco, quem se priva de bens recebe em troca o gozo do verdadeiro bem; liberta-se da escravidão das coisas e ganha a liberdade de serviço por amor; quem renuncia à posse obtém-se a alegria do dom. “Há mais alegria em doar do que em receber” (At 20,35).
(pe. Xavier Paolillo, missionário comboniano)